Esmirnados

O abuso da bondade e humanidade de quem ajuda tem sido uma constante ao longo da história.

Há muitas formas de conquistar uma polis, ou estado. Heródoto (485-420 aC), um escritor bastante popular hoje, quer na Grécia, quer na Alemanha, escreveu há dois milénios e meio um manual, muito prático, elaborando as mil e uma maneiras de o fazer. Nelas se incluem a ação política, a campanha militar, a estratégia económica e o culto religioso. Mas a criatividade humana em pôr a mão no alheio não se reduz a estas quatro categorias. Eis como ele descreve a conquista de Esmirna, um estado Eólico muito próspero:

“Os Eólios perderam Esmirna por uma perfídia. Tinham dado refúgio na polis a alguns refugiados de Cólofon, que tinham sido derrotados por uma fação rival e expulsos. Os refugiados esperaram por uma oportunidade e quando o povo de Esmirna foi celebrar, fora de muros, o festival de Dionísio, fecharam os portões e tomaram posse da cidade. Os Eólios das outras polis vieram em ajuda dos espoliados. Chegam finalmente a acordo que os Jónicos restituiriam todos os bens móveis mas ficariam com a posse da cidade. O povo de Esmirna foi então distribuído pelas outras onze polis dos Eólios, onde lhes foram dados direitos de cidadania.”

Embora seja sobejamente conhecido o viés anti-Jónico de Heródoto, não há que duvidar que as coisas se passaram mais ou menos como ele as descreve. O abuso da bondade e humanidade de quem ajuda tem sido uma constante ao longo da história, quer entre indivíduos, quer entre polis. Mas o mais lamentável é que os bondosos dão mau nome à bondade quando não aliam o seu sentimento humanitário com a prudência. Passam à história, não como bem-feitores, mas como palermas.

Professor de Finanças, AESE

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