Entre sabotadores e chantagistas

Voltamos à estaca zero. Problemas europeus não têm soluções turcas.

Como chamar à cimeira União Europeia-Turquia que terminou na madrugada de anteontem? Proponho “cimeira para tentar que um problema europeu tenha uma solução turca”.

Sendo assim, a cimeira não poderia acabar de outra maneira, senão com concessões à Turquia por coisas que a Turquia não tem interesse em dar sem obter ainda mais concessões. E uma série de políticos defendendo em frente às câmaras coisas em que verdadeiramente não acreditam.

A única maneira de resolver a presente crise (supostamente “dos refugiados” mas, na verdade, uma crise de coordenação europeia como todas as anteriores) é através de um plano conjunto para reinstalação de refugiados. Os refugiados devem então ser redistribuídos pelos estados-membros segundo critérios claros e razoáveis. Não só toda a gente sabe isto como uma maioria de europeus, em todos os estados-membros da UE, concorda com essa solução óbvia. Numa União com 500 milhões de habitantes, não há de ser tão difícil reinstalar um milhão de refugiados ou mesmo mais. A UE tem o dinheiro e base legal para o fazer há já bastante tempo.

Nos primeiros anos desta década, porém, os governos de alguns países — da França à Hungria, por motivos diferentes — foram sempre bloqueando a implementação dos esforços de reinstalação. E com isso só conseguiram piorar as coisas: o desespero tomou conta da situação e trouxe-a para as fronteiras da UE. Em vez de facilitarem uma resposta coordenada europeia, esses países ajudaram antes a criar uma magnífica oportunidade de negócio para os traficantes de seres humanos. A reinstalação, que pode ser feita de forma ordenada e segura, a partir dos campos de refugiados, tornou-se praticamente impossível. A prioridade passou a ser a relocalização, feita às pressas e nas condições mais difíceis — para as pessoas que arriscam a vida no Mediterrâneo e para as sociedades de acolhimento.

Costuma dizer-se que a água não passa duas vezes debaixo da mesma ponte. O que este acordo pretende fazer é que a água passe toda para antes da ponte. Através de um mecanismo que dificilmente será compatível com as convenções internacionais para a proteção de refugiados, pretende “devolver” refugiados à Turquia para em seu lugar reinstalar outros que de lá não saíram. Nas suas intenções, teríamos aqui um “toma-lá-dá-cá”: um regresso à Turquia em troca de um processo de reinstalação. Isso já seria suficientemente duvidoso, mas conhecendo certos governos da União, há razões para crer que não haverá nenhum toma-lá depois de terem obtido o seu dá-cá.

Este é o tipo de acordo que aparece quando se está numa sala com chantagistas e sabotadores. O primeiro-ministro turco diz “ou me dão o que querem ou eu deixo passar os refugiados”. O primeiro-ministro húngaro diz: “se aumentarem as quotas de reinstalação eu veto”. O resultado foi ceder ao chantagista para não enfrentar o sabotador.

Voltamos assim à estaca zero. Problemas europeus não têm soluções turcas. A Comissão e o Parlamento Europeu que avancem com propostas de mais dinheiro para reinstalação e quotas de distribuição de refugiados e os governos que assumam as suas responsabilidades no Conselho.

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