Eles não pararão

Foto

Os europeus indignam-se mas ainda não tomaram nota da dimensão das novas vagas migratórias. Dão conta da tragédia dos fugitivos sepultados no mar mas não das consequências da “onda de imigração bíblica” de que falam os italianos. “No meio das muitas crises com que a Europa se debate, a imigração através do Mediterrâneo surge entre as mais graves pelas suas proporções em termos de pessoas e dos valores morais envolvidos”, resume a Limes — Rivista italiana di geopolitica. “O número de pessoas dispostas a arriscar a morte para chegar ao nosso continente não diminuirá.” A Europa está sentada em cima de uma “bomba migratória”. Não é uma emergência, é uma realidade nova.

Foto
Refugiados na ilha de Lesbos. Desde que a Grécia bloqueou a fronteira terrestre, os fugitivos voltaram às rotas marítimas, a partir da Turquia. Em 2015, o seu número quase quadruplicou em relação ao mesmo período do ano passado ANGELOS TZORTZINIS/AFP

Vêm de toda a parte e por dezenas de rotas controladas por traficantes — os novos esclavagistas. Fogem das fomes e, sobretudo, das guerras. Paolo Becegato, da Caritas, faz uma análise simples. “No plano geopolítico internacional, assistimos ao regresso da guerra como instrumento da resolução dos conflitos internacionais.” Na viragem do século, houve uma diminuição dos conflitos no mundo, mas este voltou a crescer depois de 2006. “A consequência foi o crescimento dos fugitivos, dos refugiados, das destruições e tudo o resto.” Tão grave como as guerras é a implosão dos Estados.

Milhares e milhares esperam a sua hora na Líbia. Um fugitivo da Somália, que há meses tenta a travessia em Misurata (porto líbio), diz ao repórter: “Para mim, voltar à Somália, à sua insegurança e miséria, está fora de questão. Voltarei a tentar chegar à Europa. Antes morrer do que renunciar.” Num campo de refugiados italiano, diz um eritreu: “Sabe por que vim? Porque no meu país era um escravo, um escravo desde criança, condenado a partir pedra. Aqui ao menos vivo.” Explica um fugitivo sírio: “Aqui ninguém nos quer e contento-me em não ter ido para um campo pior. Isto é já um paraíso, um paraíso com sombras se preferir. O que deixo atrás de mim são ruínas, dois irmãos assassinados. Como ficar a ver massacres e gente sepultada viva?” Chegar à Europa é tentar a esperança — ilusória ou não. “Uma maravilha.”

Milhões de pessoas olham para a Europa. Afirma um especialista francês, François Guemenne: “Uma fronteira fechada não detém um imigrante que pagou 5000 dólares e está disposto a arriscar a vida. Em Ceuta e Melilla, a mesma pessoa pode tentar cinco, dez, cem vezes a passagem. A interdição nada impede, apenas incita ao risco.”

Avisa a repórter italiana Karima Mouai: “Eles não pararão. É a primeira sensação que se tem quando se trocam algumas palavras com quem vem do Sul do mundo e arrisca a vida, paradoxalmente, para viver. (...) O que está a acontecer no nosso Mediterrâneo não se resolve com receitas simplistas. Porque quando eles se põem a caminho não pararão.”

Sugerir correcção
Ler 2 comentários