Eleições abrem período de incerteza na Alemanha

Para o quarto mandato, Merkel parece ter apenas uma hipótese para Governo. Terá de ceder e entrar em terreno incógnito.

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Angela Merkel Reuters/KAI PFAFFENBACH

A noite eleitoral na Alemanha teve duas surpresas e um choque. A coligação considerada mais improvável, CDU/CSU, democratas-cristãos, com os Liberais e os Verdes, parece a única hipótese para a chanceler, Angela Merkel, formar Governo. É uma incógnita total.

A maior surpresa da noite eleitoral foi a descida marcada dos democratas-cristãos de Merkel, que acabou em cerca de 33% (de acordo com o balanço final), um dos resultados mais baixos da história do partido, apenas menor que em 1949, quando obteve 31%. Nas últimas eleições tinha conseguido 41,5%. É uma queda substancial.

Já os seus parceiros de coligação, os sociais-democratas, chegaram à mais baixa posição de sempre, com 20,5%. O partido tem de pensar o futuro e Martin Schulz foi muito claro quando se dirigiu aos apoiantes e protagonizou a segunda surpresa da noite: o partido de centro-esquerda vai passar para a oposição, declarou, e não põe hipótese de repetir a grande coligação em que governou nos últimos quatro anos com Merkel. Os resultados só deixam então outra hipótese a Merkel: juntar-se a Liberais e Verdes.

Houve também um choque, a entrada forte no Parlamento da Alternativa para a Alemanha (AfD), que, com medos e descontentamentos vários, sobretudo com a entrada no país de mais de 800 mil refugiados, flirtando com polémicas e retórica de extrema-direita, chegou a 12,6% dos votos. O partido não é considerado uma hipótese de coligação para nenhum outro partido.

É a primeira vez que na História da Alemanha do pós-guerra uma força claramente de extrema-direita chega ao Parlamento. A entrada da AfD no Bundestag era dada como certa, apenas estando em dúvida a percentagem; o partido teve um pico em 2016 com o descontentamento em relação à política dos refugiados e medo que estes não fossem integrados, mas desceu depois por causa de lutas internas.

Como vai receber fundos federais como todos os partidos com assentos parlamentares, a AfD vai a partir de agora ser uma força permanente na política alemã. Mesmo que não se antecipe que os seus deputados possam fazer um grande trabalho no Parlamento (porque não têm quadros suficientes e pela tensão interna), vão ter uma estrutura verdadeiramente nacional e vão poder cimentá-la.

Uma das primeiras acções prometidas pelo AfD é uma investigação parlamentar à decisão de Merkel declarar Dublin suspenso e autorizar a entrada de refugiados na Alemanha no Verão de 2015.

Seguem-se Liberais e Verdes. Os primeiros, de Christian Lindner, conseguiram 10,7%, um bom resultado e o regresso do partido histórico ao Parlamento. Em 2013 os liberais tiveram uma derrota estrondosa, precisamente depois de terem estado numa coligação com Angela Merkel. Entre as razões para essa derrota estava o facto de terem concordado com a política de empréstimos da chanceler aos países do euro quando governaram em conjunto.

O que farão os liberais desta vez é uma autêntica incógnita, porque o partido está centrado no novo líder. Este expressou forte oposição em relação às políticas de resgate e também de imigração, no que foi visto como uma tentativa de disputar votos com a AfD, mas não é certo o que exigirá para um acordo de coligação.

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E há que contar também com os Verdes, que surgem logo de seguida com 8,9%, e os candidatos Cem Özdemir e Katrin Göring-Eckardt vão também fazer as suas exigências. Já o partido Die Linke, de extrema-esquerda, conseguiu 9,2%.

Como é que Merkel vai combinar as posições opostas destes partidos em questões como a Europa, a economia e a imigração, é uma incógnita. 

Se a chanceler é conhecida pelo seu estilo presidencial de governar, já tinha afirmado que não gostaria de experiências nestes tempos que precisam de estabilidade. Mas é mesmo uma experiência que irá acontecer caso seja formada esta coligação: para além de nunca ter havido um Governo destes a nível nacional, até em estados-federados existiu apenas em dois menos relevantes, o Sarre (entre 2009 e 2012) e desde Junho de este ano em Schleswig-Holstein.

Governo minoritário

Haveria mais uma hipótese, a de um governo minoritário. Esta então é tida como ainda mais improvável do que a Jamaica (assim chamada pelas cores dos partidos, que formam a bandeira deste país), e tem também muitos poucos exemplos a nível dos estados federados, uma vez em Magdeburgo e outra na Renânia do Norte Vestefália, e sempre com o apoio da esquerda a governos do SPD.

Num curto comentário na sede da CDU, em que leu dois pequenos papéis com algumas notas, Merkel disse que apesar de o partido já ter tido muitas vezes resultados melhores, conseguiu o seu objectivo: “Somos a primeira força, podemos formar Governo, e ninguém pode formar um governo contra nós.” A chanceler disse ainda que quer ganhar eleitores da AfD, ouvir os seus medos, entender as suas preocupações, e tentar resolvê-los mas sempre com boas políticas.

Já o líder do partido-gémeo da CDU, o bávaro Horst Seehofer, considerou que foi um erro ter-se deixado um “flanco aberto à direita” e prometeu que o vácuo vai ser preenchido com políticas “que garantam que a Alemanha continua a ser a Alemanha”, como disse à rádio televisão Bayerische Rundfunk.

Teme-se que este seja um sinal do regresso do desentendimento entre os dois partidos gémeos que se arrastou durante meses antes da campanha, o que poderia complicar ainda mais um acordo de coligação que já se anuncia difícil.  

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