Dilma já diz que poderá não inaugurar os Jogos Olímpicos

Por motivos bem diferentes, a Presidente e o vice-presidente do Brasil sentem a pressão do cronómetro, à medida que se desenrolam os trabalhos da comissão especial do impeachment na câmara alta do Congresso.

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Dilma e o seu vice-presidente Michael Temer: de parceiros de coligação a inimigos políticos UESLEI MARCELINO/REUTERS

A comissão especial do Senado que avalia o pedido de impugnação do mandato da Presidente do Brasil vai ouvir esta sexta-feira os argumentos da defesa de Dilma Rousseff – que numa muito propalada entrevista à estrela da CNN, Christiane Amanpour, transmitida na véspera da sessão, prometeu não poupar esforços para combater o processo de impeachment, apesar de reconhecer que provavelmente nada impedirá o seu afastamento do cargo já em meados de Maio.

“Vou lutar para sobreviver”, garantiu Dilma, dizendo que o faz não apenas em nome do seu "mandato e dos princípios democráticos que devem reger a vida política no Brasil”, mas também porque ficaria muito desapontada se tivesse de falhar a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, no próximo dia 5 de Agosto. “Se isso acontecesse, ficaria muito triste. Gostaria muito de participar no processo olímpico, que ajudei a planear desde o primeiro dia”, justificou.

Esta sexta-feira, em Brasília, caberá ao Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, falar em nome da Presidente e da sua manutenção no cargo. Esta quinta-feira, a agência brasileira EBC informava que o procurador do Estado que representa Dilma “trará argumentação adicional, por novos factos que surgiram após a sustentação feita na comissão especial e no plenário da Câmara de Deputados”. Aparentemente, Cardozo vai alegar que o comportamento dos deputados, que votaram sob a ameaça de sanções dos partidos ou que fizeram declarações de voto em nome de outros quesitos que não os do processo, torna o processo nulo, à luz da jurisprudência nacional e internacional.

Ao mesmo tempo, na sua residência oficial do Palácio do Jaburu, a meio caminho entre a residência oficial da presidência (Alvorada) e a sede do Governo brasileiro (Planalto), o vice-presidente Michel Temer prossegue as reuniões e consultas para a constituição do seu futuro Governo: acusado de traição por Dilma, o homem do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) sabe que está em contagem decrescente para ocupar o seu gabinete.

A data da votação no Senado que pode resultar no afastamento (ainda que temporário) de Dilma Rousseff do cargo deverá acontecer entre o dia 8 e o dia 11 de Maio, consoante avancem mais devagar ou mais depressa os procedimentos seguintes, a saber, a audição de professores e advogados a favor e contra a destituição da Presidente, no início da próxima semana, antes da apresentação e votação do relatório com o parecer da comissão.

Presidida pelo senador do PMDB, Raimundo Lira – “político de perfil sereno e equilibrado”, na descrição da BBC Brasil –, a comissão especial, de 21 membros e suplentes, pende fortemente para o bloco anti-Dilma. Segundo o portal UOL, dois em cada três integrantes tiveram as suas campanhas financiadas pelas construtoras envolvidas no escândalo de corrupção (o Petrolão) que está a ser investigado pela Lava Jato.

Os aliados do Planalto estão em minoria, e logo no arranque dos trabalhos perderam uma votação decisiva, com a eleição do senador do PSDB, António Anastasia, como relator da comissão: o mineiro, que é um dos maiores aliados do seu correligionário de partido e adversário de Dilma nas últimas presidenciais, Aécio Neves, terá a responsabilidade de produzir o documento a recomendar o arquivamento do processo ou a realização do julgamento da Presidente por crime de responsabilidade. Ninguém acredita que o impeachment poderá ser travado antes de chegar ao plenário.

Perante a derrota anunciada, a estratégia da base aliada de Dilma passa por uma guerra de fricção e desgaste: Michel Temer será o alvo principal dos ataques. Na quinta-feira, aliás, os movimentos sociais Trabalhadores Sem Terra e Frente Povo Sem Medo já fizeram uma espécie de ensaio para o que poderá acontecer, com manifestações e acções de protesto que cortaram o trânsito em cidades de oito estados. “O objectivo da mobilização é denunciar o golpe em curso no país e defender os direitos sociais, que entendemos estarem ameaçados pela agenda de retrocessos apresentada por Michel Temer caso assuma a Presidência”, esclareceu o Movimento dos Sem Terra em comunicado.

Todas as sondagens realizadas já depois da abertura do processo de destituição pela Câmara de Deputados confirmam a impopularidade do vice-presidente e o fraco apoio popular à sua previsível “promoção” ao cargo de Presidente, que é entendida como um golpe e uma traição. Mesmo quem não questiona as suas motivações, exprime reservas quanto à legitimidade do mandato político de Temer, que se tem desdobrado em contactos e reuniões, com o intuito de montar um executivo que possa sobreviver ao confronto com a realidade do país – dividido e em crise.

Antecipando a sua futura gestão, Temer tem vindo a divulgar as suas apostas e prioridades e principais linhas de conduta do seu futuro governo. Na quinta-feira, a Folha de São Paulo notava que o ainda vice-presidente, que não conseguirá evitar “cortes drásticos” na despesa pública em função da situação orçamental, já anda a “pensar em 'bondades' para agradar à população e reduzir as resistências ao seu nome”.

Dentro do PT, cresce o apoio a uma nova campanha tipo “Directas Já” para defender nas ruas a realização de eleições presidenciais em caso de impeachment. Mais uma vez, o objectivo é pressionar e até mesmo constranger Michel Temer (“Só ele para chamar eleição de golpe”, comentava um dos dirigentes do PT ao diário paulistano). O movimento tem Lula da Silva nas suas fileiras, mas trava na resistência de Dilma.

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