Dez meses depois, Espanha a caminho das terceiras eleições (ou serão quartas)?

Ainda há tempo para os partidos negociarem e chegarem a acordo, cinco semanas, mais dia, menos dia. Afinal, é isso que desejam, impacientes, os espanhóis, desde Dezembro com um governo em funções. Resta saber se há vontade e se as contas se alinham

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A acreditar no que dizem os líderes partidários, Espanha nunca mais terá governo DR

A lógica diz que só haverá novo Governo espanhol quando os partidos indispensáveis a um entendimento decidirem que têm mais a perder do que a ganhar no regresso às urnas. Não está fácil. Os espanhóis já disseram e repetiram o que querem: pactos. Os deputados é que não foram capazes de fazer o seu trabalho. “Poucas vezes tantos fizeram tanto mal a tão poucos. A conclusão é óbvia: as cúpulas dos partidos mantêm-nos sequestrados”, escreve o analista Juan-José López-Burniol. Até quando?

Já se sabia que até este domingo não haveria novidades conclusivas. As últimas duas semanas foram de campanha eleitoral na Galiza e no País Basco, onde os eleitores votam este domingo para escolher os seus governos autonómicos, essa modalidade de poder regional em que, ao contrário do que parece ser o caso no país, os partidos se entendem para formar coligações e nunca demora muito até haver quem assuma o poder.

Resumo-expresso para os distraídos: o PP, de Mariano Rajoy, venceu com maioria absoluta as legislativas do fim de 2011 e governou Espanha até ao ano passado (correcção, ainda governa, agora à frente de um “governo em funções”, com mandato limitado “à gestão ordinária dos assuntos públicos”); os espanhóis votaram em legislativas a 20 de Dezembro de 2015 mas o Congresso que daí resultou, sem maioria absoluta de nenhum partido nem da soma de nenhum dos blocos mais óbvios, à esquerda ou à direita, foi dissolvido e os eleitores voltaram às urnas a 23 de Junho.

À primeira, foi Pedro Sánchez, líder do PSOE, que se apresentou a votos aos deputados, mas viu o seu acordo com o Cidadãos (centro-direita) chumbado; desta vez, Rajoy ainda ensaiou o discurso de investidura que recusara meses antes e foi a votos, com o apoio do mesmo C’s e da Coligação Canária. Os 170 deputados que reunira foram os únicos “sim” com que pôde contar. Se o PP recusa abster-se para permitir aos socialistas governarem, os socialistas (ou Sánchez, pelo menos, a sua corrente não é a única no PSOE) preferem morrer sem governo do que dar Rajoy a um segundo mandato.

Os espanhóis, esses, esperam. As sondagens mostram que poucos mudariam o seu voto, menos alguns votariam e a esmagadora maioria insiste no mesmo – esta nova Espanha, pós-fim do bipartidarismo, agrada-lhes, não se enganaram, votaram mesmo no Podemos (ou na coligação Unidos Podemos, que junta agora o partido de Pablo Iglesias à Esquerda Unida) conscientes do que faziam, escolheram o C’s em vez do PP sem sofrerem de uma patologia temporária. Os espanhóis só querem mesmo que os partidos se entendam e formem um executivo capaz de os governar, com ou sem maioria absoluta, isso é preocupação dos políticos, tão velha para grande parte dos eleitores como a velha política.

A última opção

Então, os partidos avisaram que enquanto se estivesse em campanha na Galiza e no País Basco não haveria negociações nem governo nacional. O prazo para alguém se apresentar a votos acaba a 31 de Outubro, data em que o Congresso se dissolve e o relógio para as terceiras eleições começa a contar (aconteceriam provavelmente a 18 de Dezembro; o dia de Natal chegou a ser dado como inevitável).

Sánchez não volta a apresentar-se no Congresso de 350 lugares sem a certeza de ter apoios suficientes para passar. A questão é agora saber se o deixam: os outros partidos e o seu próprio, onde muitos insistem que os 85 deputados conseguidos pelo PSOE em Junho só chegam para que seja líder da oposição.

Há uma possibilidade com (aparentes) pernas para andar. A coligação da esquerda valenciana Compromís (nacionalistas, ecologistas mais independentes) está à espera das eleições autonómicas deste domingo para convocar uma reunião com o PSOE e Unidos Podemos e discutir um pacto redigido a partir de um documento com 30 medidas que já se conhece. Para tornar esse pacto viável, desses 30 pontos não consta, por exemplo, o referendo de autodeterminação na Catalunha (o PSOE é contra, o Podemos, contra a independência, defende o direito à consulta).

Sánchez, já se percebeu, aposta tudo neste cenário, e nesta segunda-feira quer recomeçar a negociar com a sua esquerda. Disso mesmo pretende dar conta ao Comité Federal socialista marcado para 1 de Outubro: “anunciar” é aqui a palavra a reter, o dirigente considera que foi mandatado a 28 de Dezembro para recusar a investidura de Rajoy e, nessa linha, fazer o possível por construir uma alternativa de esquerda. Isto, dizem à imprensa espanhola, “pense o que pensar Susana Díaz”, a baronesa andaluza que quer liderar o PSOE e o país e a quem convinha que Sánchez não chegasse a primeiro-ministro.

O que se diz e faz

A ideia dos dirigentes de Valência passa por conseguir, numa segunda fase, a abstenção do C’s (32 mandatos). Dessa forma, os votos contra dos 137 deputados do Partido Popular não chegariam para derrotar um governo apoiado pelos parlamentares socialistas e da aliança Unidos Podemos (156). À segunda votação, basta uma maioria simples para investir um governo. Na manga da Compromís há um Plano B, claro, mas é mesmo B – se o partido de Albert Rivera recusar abster-se, resta reunir o apoio dos nacionalistas catalães, à esquerda com a ERC (Esquerda Republicana da Catalunha) e à direita com o PDC (antiga Convergência de Artur Mas).

Os membros da coligação valenciana que falaram nos últimos dias, citados pelo diário online InfoLibre, admitem que “a abstenção do Cidadãos é o ponto mais débil da proposta”, mas não escondem algum optimismo. Rivera já tentou matar esta possibilidade à nascença, garantindo que não apoiará Sánchez para que este “seja presidente três quartos de hora”. E até um dirigente próximo de Pablo Iglesias citado pelo mesmo diário afirma que “é impossível convencer o Cidadãos”.

O optimismo valenciano não é desprovido de sentido. A acreditar no que dizem os líderes partidários, Espanha nunca mais terá governo. E se isso não deixa de ser possível, é mais provável que alguém se dê por vencido. “Se lhes for apresentado um pacto, será complicado o C’s votar ‘não’ porque se houver umas terceiras eleições, eles despenham-se”, dizem do Compromís. E Rivera sabe que perdeu oito deputados das primeiras para as segundas legislativas.

O “cansaço” vai acabar por derrotar alguém e será assim que os espanhóis voltarão a ter um governo pleno, concorda o jornalista Ferran Casas, e não é de agora. Desde Janeiro que Casas repete que o próximo executivo “só será anunciado in extremis”, com quem ceder a explicar que o faz “em nome da estabilidade”. Depois, bem, depois, “qualquer que seja o primeiro-ministro e o governo, não será para durar quatro anos”. Num cenário de entendimento à direita, já afastado antes de nova ida às urnas, esse primeiro-ministro nunca seria Rajoy, diz ainda o jornalista.

Governo Frankenstein

Rivera ora responsabiliza Rajoy ora aponta o dedo a Sánchez pela ausência de entendimento. O jovem líder catalão defende, como o PP, que um governo viável teria de envolver os dois maiores partidos e contar com o apoio do C’s (propõe que isso se negoceie a partir das 100 propostas que o seu partido acordou com o PSOE, mantendo as que são comuns com o PP). E nunca, nunca incluir o Podemos de Iglesias – foi para lutar contra o independentismo catalão que Rivera fundou um partido que só a crise institucional permitiu transformar numa força política com relevância nacional.

Segundo Rivera, “Rajoy quer insistentemente ser presidente e Sánchez quer ser presidente a qualquer preço”. “Enquanto continuarem assim, pode haver não terceiras mas oitavas eleições”, desabafou na sexta-feira, durante um pequeno-almoço com jornalistas.

As críticas a Sánchez têm sido ajudadas, e muito, pelas posições dos seus críticos no interior do PSOE. Membros do Governo de direita referem-se ao “Governo Frankenstein” para falar de uma aliança dos socialistas com a sua esquerda apoiando-se na oposição dos próprios barões do PSOE. Sánchez tem então de travar uma batalha interna se quer ser primeiro-ministro. Tem de a travar e de a vencer a tempo de negociar um governo. Num mês.

Entretanto, reacendeu a luta interna pela alma do Podemos: de um lado, Iglesias, que defende um discurso mais duro, mais próximo do que entendemos por esquerda clássica; do outro, Íñigo Errejón, que propõe uma postura de tom suave o suficiente para não assustar os eleitores mais moderados. A tese de Iglesias recebeu este sábado um apoio indirecto, com a Assembleia Política e Social (órgão máximo entre congressos) da Esquerda Unida a aprovar uma orientação na linha do que defende o líder do principal partido da aliança de esquerdas. A tese de Errejón, claro, é a que mais convém a uma coligação de governo com o PSOE e são os seus apoiantes os que mais acreditam nessa possibilidade.

Não está fácil. Sánchez, acusam os críticos internos, só desenterrou a nova ronda de negociações e a ideia de umas primárias que o confirmem na liderança do PSOE a tempo de se apresentar mais forte no Congresso para esconder as tristezas que as urnas galegas e bascas lhe trarão. É possível, mas as tristezas não serão surpresa. No País Basco mandam os nacionalistas e a Galiza é a única maioria absoluta que sobra ao PP. Uma maioria que será repetida não por causa de Rajoy (que é galego) mas graças a Alberto Núñez Feijóo, possível sucessor do líder da direita.

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