Estado Islâmico reivindica atentado de Nice

Presidente Hollande apela à "unidade e coesão nacional", mas direita e extrema-direita lançam críticas ao estado de emergência. Psiquiatra que viu autor do ataque aos 19 anos diz que tinha "princípio de psicose", mas que isso não explica o terror que cometeu.

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Memorial pelas vítimas no Passeio dos Ingleses, em Nice, o local do atentado GIUSEPPE CACACE/AFP
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Há ainda pessoas à procura de desaparecidos no atentado de Nice ANNE-CHRISTINE POUJOULAT/AFP

A organização terrorista Estado Islâmico (EI) reivindicou o atentado de Nice. O assassino que transformou um camião de 19 toneladas numa arma, matando pelo menos 84 pessoas, é “um soldado do Estado Islâmico, que agiu em resposta aos apelos para tomar como alvo os cidadãos dos países da coligação que combate o EI”, afirmou a agência noticiosa desta organização que controla território na Síria e no Iraque.

Continuam no entanto a pairar dúvidas – Mohamed Lahouaiej Bouhlel, o francês de origem tunisina que conduzia o camião, nunca deu sinais de se ter radicalizado, nem deixou qualquer indício de lealdade para com o Estado Islâmico. “Até aqui, o EI nunca reivindicou de forma oportunista a autoria de atentado, embora o tivesse podido fazer muitas vezes”, analisa, em declarações ao Le Monde, o jornalista David Thomson, especialista em jihadismo.

“Deve haver ligações, se estão a fazer a reivindicação. Certamente vai ser uma espécie de folhetim com os elementos de prova, como aconteceu com a queda do avião russo no Egipto, em que divulgaram a fotografia da lata com explosivos que introduziram na aeronave, quando as autoridades do Cairo recusaram admitir que os terroristas estavam implicados no desastre, o que hoje está demonstrado”, prevê o jornalista francês.

Para o Governo de Paris, não há dúvida que se trata de terrorismo. O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, declarou este sábado, após uma reunião do gabinete de crise governamental, que o autor do atentado “parece ter-se radicalizado muito rapidamente”. “Pelo menos é o que se entende, através dos primeiros elementos da investigação”, afirmou, citado pela AFP.

Um psiquiatra de Sousse, na Tunísia que atendeu Mohamed Lahouaiej Bouhlel em 2005, quando este teve um episódio de depressão, disse entretanto à revista L’Express que recorda um jovem de 19 anos, que foi à consulta com o pai, porque tinha problemas escolares e de adaptação familiar. “Sofria de uma alteração da realidade, do discernimento e de problemas do comportamento: tinha um princípio de psicose”, recordou o psiquiatra Chemceddine Hamouda.

Mas estes problemas podem não explicar a decisão de atropelar uma multidão com um camião. “Nada no seu comportamento permitia antever este massacre. Estes problemas, se não forem tratados durante anos, podem levar a uma esquizofrenia. Mas recuso categoricamente a ideia de que não possa ser responsabilizado pelo acto. Uma tal violência precisa necessariamente de endoutrinação, um delírio de radicalização em paralelo com os seus problemas psicológicos. Não é o acto de um louco, é um acto premeditado”, afirma categoricamente o psiquiatra à L’Express.

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Reprodução da autorização de residência de Mohamed Lahouaiej Bouhlel Polícia francesa/AFP

Críticas ao Governo

O ministro do Interior falou num atentado “de um novo tipo, que mostra a extrema dificuldade de conduzir a luta antiterrorista”. Pessoas “sensíveis à mensagem do Estado Islâmico podem envolver-se em acções extremamente violentas, sem terem necessariamente participado em combates ou terem recebido treino militar”.

O Presidente François Hollande, por seu lado, lançou um apelo à “coesão e unidade nacional”, através do porta-voz do Governo, Stéphane Foll, ministro da Agricultura. “Face às tentações de dividir o país, é preciso apelar à unidade e coerência do país em torno dos seus valores. 

Quase em resposta, Marine Le Pen, líder do partido de extrema-direita Frente Nacional – que tem um dos seus pólos eleitorais precisamente no departamento Alpes-Marítimos, de que faz parte Nice – exigiu a demissão do ministro do Interior, denunciando “as carências gravíssimas do Estado no que deve ser a sua primeira missão, a protecção dos nossos compatriotas.”

 “Em qualquer país do mundo, um ministro com um balanço de mandato tão lamentável como Bernard Cazeneuve – 250 mortos em 18 meses – teria pedido a demissão”, declarou Le Pen, referindo-se aos atentados de Janeiro e Novembro de 2015 em Paris e 14 de Julho em Nice.

Em clima de pré-campanha para as eleições presidenciais da Primavera de 2017, os apelos à unidade arriscam-se a cair em saco roto. Cazeneuve apelou no entanto à “dignidade”, em resposta às críticas do ex-presidente da câmara de Nice, Christian Estrosi, presidente do partido de centro-direita Os Republicanos da região Provença-Alpes-Côte d'Azur, mas conhecido pelas suas posições bastante à direita, que afirmou que este atentado era evitável.

“Gostaria de saber que medidas foram tomadas, estando nós em estado de emergência, semelhante a uma situação de guerra, para que não nos matem com armas numa grande cidade de França”, escreveu Estrosi, numa carta aberta ao ministro Cazeneuve publicada no jornal local Nice Matin. “Tivémos numa reunião [na véspera do atentado, entre a polícia e o município] e disseram-nos que não havia ameaças em particular para a cidade de Nice”. 

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