Depois do "Brexit", todos os eurocépticos querem referendos

Enquanto os dirigentes europeus reagiram com declarações graves e tentam encontrar soluções para a nova arquitectura da UE, os partidos de extrema-direita vêem no "Brexit" uma oportunidade.

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A líder da Frente Nacional francesa, Marine Le Pen, já está a pensar no "Frexit" REUTERS/Jacky Naegelen

O bater de porta que se ouviu do outro lado do Canal da Mancha deixou cheia de satisfação Marine Le Pen, a líder da Frente Nacional que, tal como os líderes de outros partidos de extrema-direita europeus, aproveitaram o resultado do referendo britânico para exigir que os seus países possam também votar sobre a permanência na União Europeia.

Apesar dos apelos a um “Frexit”, logo a seguir ao choque do “Brexit”, François Hollande, Presidente de um dos dois países considerados como pilares da União Europeia (juntamente com a Alemanha), manteve um tom grave e contido. “O voto dos britânicos põe a Europa à prova. A UE terá de demonstrar a sua solidez e a sua força, dando as respostas necessárias para controlar os riscos económicos e financeiros da saída do Reino Unido. Mas a decisão britânica também exige que se tome consciência das insuficiências do funcionamento da Europa e da perda de confiança dos povos no projecto que ela representa”, declarou.

Com a saída britânica, as maiores perdas para França serão ao nível da defesa, a maior área de cooperação entre os dois países. O ministro da Defesa francês Jean-Yves Le Drian tinha publicado um artigo no Daily Telegraph, esperando ainda influenciar os eleitores a votar na permanência na UE. Hollande afirmou que as relações de proximidade terão de continuar, e fontes do Governo disseram à Reuters que o modelo terá de ser desenvolvido nos próximos dias. O Reino Unido "é o país melhor colocado para enviar forças para o estrangeiro quando for necessário, e com o qual podemos ter uma cooperação de alto nível na indústria da defesa", disseram as fontes da agência britânica.

Os resultados do "Brexit" caíram em tempo de longa pré-campanha eleitoral para as eleições presidenciais da Primavera de 2017, e para as quais Hollande ainda não anunciou a recandidatura e é extremamente impopular – as sondagens dão-lhe apenas 12% de intenções de voto. Já Marine Le Pen é dada como possível vencedora da primeira volta, com mais de 20%. Neste discurso, o Presidente não se esqueceu de nomear, sem dizer o nome, o risco que representa Le Pen: "O perigo é enorme perante os extremismos e os populismos. É sempre preciso menos tempo para desfazer do que para fazer, para destruir do que para construir. A França, país fundador da Europa, não o aceitará.”

Outros pré-candidatos às presidenciais pesaram no debate. O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy apelou à realização de um “novo tratado europeu”, uma vez que o resultado do referendo britânico expressa “uma rejeição forte da Europa tal como funciona hoje.”

O líder do partido Os Republicanos, e um dos muitos desta formação de centro-direita que disputa as primárias para eleger quem será o candidato a concorrer às presidenciais, Sarkozy quis colocar-se no palco do grande debate europeu. “Este sentimento de rejeição é partilhado por muitos franceses e muitos outros povos europeus. Não podemos ignorá-lo”, afirmou, classificando esta como uma “grande crise. “A Europa pode funcionar sem os britânicos”, estimou, mas a “Europa a 27 não pode continuar a trabalhar como até agora.”

 

Uma casa divivida em Itália

Matteo Renzi, que tem feito correr rios de palavras a pedir reformas na União Europeia, retomou esse discurso após serem conhecidos os resultados do referendo britânico. “A Europa é a nossa casa e dizemo-los hoje como nunca, agora que estamos convencidos que temos de renovar a nossa casa”, declarou o primeiro-ministro italiano.

Sábado, Renzi estará em Paris para discutir este grande tornado que ameaça as fundações da casa europeia, antes da reunião de Berlim com a chanceler alemã Angela Merkel e da cimeira europeia de 28 e 29 de Junho em Bruxelas. “É preciso destacar aquilo que nos une sobre aquilo que nos divide. O mundo precisa da Europa da inovação, da Europa da coração, da democracia, da cultura, da liberdade”, acrescentou.

Mas isto não quer dizer que Renzi não enfrente o eurocepticismo no seu próprio país, que aliás pode arruinar-lhe o optimismo aparentemente infinito no referendo que se há-de realizar no Outono sobre a reforma constitucional conduzida pelo seu Governo, através da qual seria instituída uma necessária mas criticada – reforma eleitoral.

Há dois rostos para a resistência à UE: o de Matteo Salvini, líder da Liga Norte, que começou por ser um partido separatista, mas que hoje se afirma como um partido de extrema-direita e anti-imigração, equivalente ao de Marine Le Pen em França, e com expressão nacional, não apenas no Norte de Itália, como antigamente. “Obrigada, Reino Unido, agora é a nossa vez!”, disse Salvini no Twitter.

A Liga Norte vai começar a recolher assinaturas para pedir a realização de um referendo “que permita aos italianos exprimirem-se sobre os tratados europeus no modelo do referendo britânico. “A Europa tem a oportunidade de se livrar da União Europeia”, afirmou, numa entrevista à Rádio 24. “De Londres chegou uma grande bofetada para [o ex-Presidente Napolitano], [o ex-Presidente da Comissão Europeia e ex-primeiro-ministro] Prodi, [o ex-primeiro-ministro e comissário europeu] Monti e Renzi. Aqueles para quem a Europa é costa nostra”, declarou, citado pelo jornal Il Sole 24 Ore.

Mas em Itália há outro partido anti-sistema, o Movimento 5 Estrelas (M5S), que se afirmou como líder da oposição - já este mês, conquistou a câmara municipal de Roma. E, curiosamente, os eleitores da Liga Norte são os que mais se identificam com o M5S, revela um estudo do instituto Demos. Cerca de 30% dos eleitores da Liga simpatizam com o partido fundado pelo humorista Beppe Grillo. Mas o M5S não quer referendar a presença da Itália na UE. “As instituições transformam-se de dentro”, diz um comunicado que surgiu esta quinta-feira de manhã na plataforma online do movimento, segundo a Economist.

No entanto, o M5S continua empenhado na realização de um referendo sobre a permanência de Itália no euro.

 

Um "golpe" que Merkel promete ultrapassar

Angela Merkel não foi meiga com as palavras: “Este é um golpe para a Europa. É com tristeza que tomamos conhecimento da decisão da maioria da população britânica. É um golpe contra o processo de unificação europeia”, afirmou a chanceler alemã, que na última década se tornou a líder de facto da União Europeia.

Mas a Alemanha que ela lidera não baixou os braços e desdobra-se em contactos: este sábado o ministro dos Negócios Estrangeiros recebe os seus congéneres dos países fundadores da UE, segunda-feira Merkel recebe em Berlim o Presidente francês François Hollande, o primeiro-ministro italiano Matteo Renzi e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. E na terça-feira, discursará no Bundestag, apresentando a posição que levará à cimeira europeia de 28 e 29 de Março – a primeira para a qual David Cameron não será convidado.

Se a agenda da chanceler é cheia, a do seu ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, não deverá ser menos. O jornal Die Welt noticiava que o seu gabinete está a preparar já um “plano secreto” para o futuro do Reino Unido, um quadro estratégico para as negociações que se seguirão sobre o modelo de relação da UE com Londres após o divórcio.

Schäuble faz também contas ao quanto Berlim passará a ter de contribuir mais para o Orçamento da UE, para cobrir a saída britânica. A Reuters cita números avançados pelos media alemães, retirados de um memorando interno do Ministério das Finanças, que estima que a Alemanha passará a ter de pagar mais 3000 milhões de euros.

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Angela Merkel recebe Hollande na segunda-feira Mathieu Cugnot/REUTERS

A confirmarem-se estes números, seriam preciosas achas a lançar para a fogueira pelo partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AFD), eurocéptico e anti-imigração (sobretudo anti-islão). Em Maio, uma sondagem do jornal Bild dava-lhe 13% de intenções de voto nas legislativas do Outono de 2017 – o que o tornaria na terceira maior força política alemã. Mas este partido tem um problema desde o início, que é a fragmentação, e muitas personalidades a pensarem de forma independente e a quererem conquistar proeminência – e  isso verificou-se também na reacção ao “Brexit”.

Se Björn Höcke, líder do partido na Turíngia, exigiu um referendo – “eu sei que a maioria do povo alemão quer sair da escravidão da UE”, afirmou, citado pelo jornal Frankfurter Allgemeine, o vice-presidente Alexander Gauland, disse apenas que a AFD ia lançar uma campanha para fazer regredir o tipo de união já alcançado. Seria melhor que a UE voltasse a ser uma união puramente económica, afirmou.

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