Democracia, cuidado ao manusear

Irónico que estejamos a discutir isto, a fragilidade de uma grande democracia como a francesa, no dia em que Portugal comemora os 43 anos do 25 de Abril.

A Europa respirou de alívio com a perspectiva de uma vitória fácil de Emmanuel Macron na segunda volta das presidenciais, mas é cedo para respirar fundo. “A França tem um sistema semipresidencial. Se o vencedor não tiver uma maioria no Parlamento, então não teve realmente uma vitória”, disse à agência Bloomberg Pascal Perrineau, professor de Ciência Política na Sciences Po, de Paris.

O receio é plenamente justificado pela história política francesa. E mais sério hoje do que nunca. Não é por acaso que se fala do fim da V República, como fez um apoiante de François Fillon, o candidato republicano que agora ficou pelo caminho: “Macron é um regresso à IV República, onde a aprovação de cada lei envolvia uma negociação dura, uma troca de cavalos.” Anote: a IV República colapsou em 1958, depois de ter visto 21 governos em apenas 12 anos. A nós, portugueses, lembra-nos a Primeira.

É por isso que é cedo para respirar fundo. Uma sondagem da noite de domingo mostrava como Marine Le Pen pode ganhar quase quatro milhões de votos na segunda volta, duplicando o resultado do seu pai em 2002, que só conseguiu ganhar mais um milhão de votos na segunda volta, contra Chicac. Mais: dizem os especialistas que a Frente Nacional pode chegar aos 68 lugares na Assembleia Nacional, número que ficaria longe de uma maioria, mas que poderia servir de bloqueador à presidência de Macron — se mais ninguém ajudar a governar.

Também por isto, e porque Macron não tem atrás um grande partido que lhe garanta uma segunda eleição (parlamentar), a grande questão que a França se colocará no dia 8 de Maio é sobre o verdadeiro alcance desta aliança anti-Le Pen que se desenhou na noite eleitoral. “A nossa grande preocupação não é se Le Pen pode ganhar e tirar a França do euro, é se uma coligação volátil pode levar a França a abandonar as reformas e a perder a confiança dos parceiros europeus”, dizia este domingo Stephane Monier, chefe de um banco de investimento com sede em Genebra.

Por outras palavras: a França terá um Presidente ou um caos? Se, no pós-legislativas, os partidos tradicionais não apoiarem o Presidente, em que condições chegará a V República à eleição presidencial seguinte?

Irónico que estejamos a discutir isto, a fragilidade de uma grande democracia, no dia em que Portugal comemora os 43 anos do 25 de Abril. A data não é redonda, é verdade. Mas é também por isso que nos devemos preocupar com ela hoje, quando por cá nada nos parece fazer questioná-la. É por isso que temos o dever de lembrar como ela é frágil. De como ela se constrói passo a passo, sem revoluções. De como ela precisa de memória e recusa as esponjas, como explica o artigo com que o PÚBLICO hoje comemora a data maior da nossa República — e partindo da recente polémica com o futuro do forte de Peniche, que quase foi entregue ao turismo. A democracia é tudo aquilo e mais isto: só sobrevive de consensos e progresso, não de bloqueios e falsas soluções. Ouçamos, pois, o que nos dizem os nossos deputados hoje. Celebremos a nossa democracia, esperando o melhor do que se vier a passar em França, país da liberdade.

Sugerir correcção
Ler 5 comentários