Cuba acolhe encontro histórico entre o Papa e o patriarca ortodoxo russo

Após séculos de afastamento e décadas de relações tensas, reunião “vai marcar uma etapa importante nas relações entre as duas igrejas”.

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Kirill diz ´que a perseguição dos cristãos justifica que as divergências entre as duas igrejas sejam relagadas para segundo plano Maxim Shemetov/Reuters

Cuba será, na próxima sexta-feira, terreno neutro para um encontro inédito entre o Papa Francisco e o Patriarca russo Kirill – o primeiro entre o chefe da Igreja Católica e o líder da maior e mais influente das Igrejas Ortodoxas desde o grande cisma de 1054. A perseguição dos cristãos no Médio Oriente, que atinge e alarma as duas comunhões, é a razão que levou Moscovo a aceitar um encontro há muito desejado pelo Vaticano.

A reunião “vai marcar uma etapa importante nas relações entre as duas igrejas”, asseguram as duas igrejas no comunicado conjunto divulgado esta sexta-feira, dizendo esperar que a cimeira “seja igualmente um sinal de esperança para todas as pessoas de boa vontade”. Francisco, a caminho de uma visita que se espera emblemática ao México, fará no dia 12 uma breve escala no aeroporto internacional de Havana, onde Kirril tinha já agendado uma visita oficial.

“Será a primeira vez na história”, congratulou-se o padre Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, onde o encontro estava a ser preparado há meses. O próprio Papa contou, há pouco mais de um ano, que tinha telefonado a Kirill garantindo-lhe a sua total disponibilidade: “Vou quando quiser que eu vá. Ligue-me e eu vou”, terá dito.

Ao entusiasmo do Vaticano, a Igreja Ortodoxa russa, comunhão de 130 milhões de pessoas, respondeu que as divergências das últimas décadas não foram sanadas, mas precisam de ser postas em segundo plano “neste momento trágico”. “A situação que se vive no Médio Oriente, no Norte e Centro de África e noutras regiões onde os extremistas estão a levar a cabo um autêntico genocídio da população cristã exige medidas urgentes e uma cooperação ainda maior entre as igrejas”, explicou à Reuters o metropolita Hilarion, uma das mais destacadas figuras da Igreja Ortodoxa russa.

Desde o cisma entre as igrejas cristãs do Oriente e do Ocidente, há quase mil anos, a proximidade doutrinal nunca ultrapassou as rivalidades e desconfianças mútuas. Nas últimas décadas, o Vaticano conseguiu, no entanto, estabelecer laços próximos com a Igreja Ortodoxa Grega, em especial com o patriarca de Istambul, considerado o “primeiro entre iguais” no seio da comunhão.

A Santa Sé nunca teve o mesmo sucesso com a Igreja Ortodoxa russa, que desde o fim da União Soviética acusa a Igreja Católica de proselitismo nos territórios que até aí dominava, escreve o Catholic News Service (CNS). A agência AP recorda que João Paulo II tentou durante anos encontrar-se com o então patriarca russo, mas nem ele nem o seu sucessor, Bento XVI, conseguiram vencer as resistências de Moscovo, afrontado com o que considerava ser as tentativas do Vaticano para estender a sua influência à Rússia e sobretudo à Ucrânia, onde algumas das propriedades confiscadas por Estaline e entregues aos ortodoxos foram depois da independência devolvidas aos católicos. “Esta é uma grande notícia no ano do Jubileu da Misericórdia”, disse ao CNS o padre jesuíta David Nazar, responsável do Instituto Pontifício Oriental.

Mas o local escolhido para a reunião é simbólico do caminho que ainda há a percorrer – o metropolita Hilarion explicou que Kirill recusou que o encontro acontecesse na Europa “porque é a ela que está ligada a trágica história de divisões e conflitos entre os cristãos”. Francisco, que como os seus antecessores fez do ecumenismo uma prioridade, insistindo que é vital para responder às perseguições contra os cristãos, deu há dez dias um outro passo significativo ao anunciar que assistirá a uma cerimónia, a 31 de Outubro na Suécia, para assinalar o início de um ano do 500º aniversário da reforma de Martinho Lutero, personagem central do protestantismo.

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