Crimeia declara independência e prepara referendo de “sim” ou “sim”

As duas perguntas do referendo encaminham o futuro da região na direcção de Moscovo. EUA iniciaram manobras militares com aliados da Europa de Leste.

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O novo primeiro-ministro pró-russo da Crimeia,Sergei Aksionov, rodeado dos homens armados que assumiram o controlo da região Filippo MONTEFORTE/AFP

O Parlamento regional da Crimeia aprovou ontem a independência da península em relação à Ucrânia, uma etapa prevista rumo ao referendo de domingo. As duas perguntas da consulta foram apresentadas e deixam pouca margem para uma derrota da integração da região na Rússia. As autoridades de Kiev já afirmaram que não vão reconhecer a decisão de um parlamento que consideram ilegal e preparam-se para defender o território.

Os deputados reunidos no Parlamento na capital da Crimeia, Simferopol, utilizaram o precedente do Kosovo para defenderem o seu propósito e invocaram a Carta das Nações Unidas, bem como “toda uma série de outros documentos internacionais que estabelecem o direito dos povos à autodeterminação”, segundo o texto aprovado.

A declaração de independência da península do mar Negro é um passo que já estava previsto para a integração da Crimeia na Federação Russa. A vitória do “sim” à integração no referendo de 16 de Março será seguida de um pedido formal “à Federação Russa para [a Crimeia] ser admitida, tendo por base um acordo intergovernamental idóneo, como novo sujeito da federação”, lê-se na declaração, aprovada por 78 dos 81 deputados presentes.

Moscovo já mostrou abertura para aceder ao pedido das autoridades da Crimeia. Logo após o anúncio da marcação do referendo, na semana passada, os presidentes das duas câmaras legislativas da Federação Russa garantiram que a Rússia “apoiará a decisão do povo da Crimeia”.

Na verdade, a modalidade do referendo não será de uma pergunta única de “sim” ou “não”. São duas perguntas diferentes, mas com direcções comuns, ambas no sentido de uma integração russa. A primeira pergunta questiona directamente o desejo dos eleitores sobre a integração da Crimeia no território russo: “É a favor da reunificação da Crimeia com a Rússia como parte da Federação Russa?”.

A segunda questão é sobre o regresso à Constituição de 1992 e a manutenção da Crimeia como parte da Ucrânia. No entanto, apesar de permanecer integrada no território ucraniano, a Constituição de 1992 confere autonomia aos órgãos regionais para escolherem o seu rumo de integração, ou seja, permite que a região seja anexada pela Rússia.

“A restauração desta Constituição [de 1992] seria um passo para a independência sob controlo russo”, observa Keir Giles, da Chatham House, em declarações à Reuters. “Os cidadãos que estejam satisfeitos com uma Crimeia que permaneça parte da Ucrânia segundo a mesma base dos últimos 20 anos não têm voz neste referendo.”

EUA em exercícios militares

Bem perto do foco da tensão, os Estados Unidos deram início nesta terça-feira a um conjunto de exercícios militares em coordenação com aliados regionais da NATO. Apesar de o Pentágono ter sublinhado que as manobras estavam previstas ainda antes do início da crise na Crimeia, a resposta dos EUA não deixa de ser vista como uma tentativa para acalmar os países da Europa de Leste, intranquilos pela instabilidade na região.

O ministro da Defesa polaco, Tomasz Siemoniak, afirmou que estava previsto que os exercícios conjuntos fossem mais reduzidos, mas a tensão na Ucrânia levou Varsóvia a solicitar aos EUA o envio de caças. Washington acedeu ao pedido e pelo menos 12 caças F-16 deverão chegar à Polónia esta semana, segundo a AFP.

Para além dos exercícios com a Polónia, os Estados Unidos vão enviar o navio USS Truxtun, com 300 militares, para patrulhar o mar Negro, onde se vão coordenar com unidades da Marinha búlgara e romena. As manobras vão ter lugar perto da cidade portuária romena de Constanta, a apenas 350 quilómetros de Sebastopol, onde está estacionada a Frota Russa no Mar Negro.

“O objectivo do exercício é o de aumentar a compatibilidade operacional dos navios da Marinha dos membros da NATO, melhorar o entendimento mútuo e aumentar o nível de preparação no mar”, segundo o Ministério da Defesa búlgaro.

A NATO iniciou nesta terça-feira um conjunto de voos de reconhecimento de aviões AWACS sobre a Polónia e a Roménia para monitorizar a situação no território ucraniano. Esta terça-feira, o espaço aéreo da Crimeia foi fechado a todos os voos comerciais, excepto os provenientes ou com direcção a Moscovo, segundo a AFP.

No campo diplomático, o impasse continua. O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, disse que as propostas de Moscovo para resolver a crise na Ucrânia não são suficientes, após uma conversa telefónica com o ministro russo dos Negócios Estrangeiros, Sergei Lavrov.

Só na última semana, os dois responsáveis encontraram-se pessoalmente em três ocasiões e falaram por duas vezes pelo telefone, não parecendo, contudo, que se esteja mais próximo de uma solução para a situação na Ucrânia.

Nova força de segurança

As novas autoridades da Ucrânia negam-se a reconhecer legitimidade à consulta popular e não estão dispostas a abrir mão de nenhuma parte do território. Numa derradeira tentativa, o Parlamento ucraniano alertou as autoridades da Crimeia que o parlamento regional poderá enfrentar a dissolução caso o referendo vá em frente.

Esta quarta-feira, o primeiro-ministro interino, Arseni Iatseniuk, vai ser recebido na Casa Branca e na quinta-feira vai discursar no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

No mesmo dia em que a Crimeia declarou a independência, o Presidente interino da Ucrânia anunciou a fundação de uma nova força de segurança, com o objectivo de “defender os cidadãos dos criminosos e de agressões internas ou externas”.

A Guarda Nacional terá por base as forças existentes do Ministério do Interior e será totalmente composta depois de ser concluída a mobilização de voluntários com experiência militar. Oleksander Turchinov sublinhou a necessidade de reconstruir as Forças Armadas ucranianas, numa altura em que tem subido a tensão com a Rússia, que Kiev acusa de ter invadido a Crimeia.

A nova administração ucraniana tem tido mão pesada para conter qualquer ameaça de separatismo. O ex-governador da região de Kharkov (Leste), Mikhail Dobkin, foi detido na segunda-feira e pode ser condenado a uma pena de cinco anos de prisão por "ataques à integridade territorial e à independência da Ucrânia", segundo um comunicado da Procuradoria, citado pela RIA Novosti.

Dobkin, que abandonou o cargo para se candidatar às eleições presidenciais de 25 de Maio, terá defendido a federalização da Ucrânia durante uma mesa redonda em Kharkov, a 12 de Fevereiro, segundo o jornal ucraniano de língua inglesa Kyiv Post.

A detenção de Dobkin, que é muito popular junto das populações russófonas do Leste do país, pode fazer aumentar a desconfiança sobre as novas autoridades ucranianas. Rinat Akhmetov, o homem mais rico do país e um dos oligarcas mais influentes na vida política ucraniana, mostrou-se disponível para pagar a fiança de Dobkin.

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