Copos, mulheres e aldrabices

Nem Wolfgang Schäuble alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de taberneiro numa Europa politicamente extremada.

Gastei muito dinheiro em bebida,miúdas e carros. O resto desperdicei-o.”

George Best (1946-2005)

Não foi um latino do Mediterrâneo que disse a magnífica frase que serve de epígrafe a este texto. Foi um génio futebolístico nascido em Belfast, George Best, o jogador com corte de cabelo à Beatle que faz parte da história do Manchester United. Parece-me, aliás, ridículo que seja um holandês, como o senhor Dijsselbloem, a criticar os países que gastam dinheiro “em copos e mulheres”, tendo em conta a excelente tradição de Amesterdão nessa matéria.

O presidente do Eurogrupo foi longe demais, e a sua frase é errada de tantas maneiras – desde logo pelo seu machismo mais labrego – que exigir a sua demissão é inevitável: pior do que gastar dinheiro em copos e mulheres é gastar entrevistas a deitar sal na ferida do norte trabalhador contra o sul mandrião, uma conversa batida que já não vai a lado algum. Nem como populismo se percebe. O ainda ministro das Finanças holandês não tem de ganhar eleições – elas acabaram de acontecer e o grande derrotado foi o seu partido, o socialista PvdA –, e este género de comentários é totalmente contraproducente, porque só promove o cavar de trincheiras e a vitimização dos países do sul.

Dijsselbloem, na entrevista ao jornal Frankfurter Allgemeine, proferiu três frases inatacáveis antes de se espalhar ao comprido. “Na crise do euro, os países do norte da Europa mostraram-se solidários com os países afetados pela crise” – é verdade. “Como social-democrata, atribuo à solidariedade uma importância extraordinária” – é bonito. “No entanto, quem pede ajuda também tem obrigações” – é óbvio. “Não se pode gastar o dinheiro em copos e mulheres e logo depois pedir ajuda” – é estúpido. O senhor Dijsselbloem não é propriamente um amador da política, e nem Wolfgang Schäuble alguma vez se atreveu a utilizar esta linguagem de taberneiro numa Europa politicamente extremada.

A prova, aliás, de que estas declarações idiotas obtêm o efeito contrário ao pretendido está na imediata reacção do ministro dos Negócios Estrangeiros português. Augusto Santos Silva sublinhou – e bem – que se tratou “de uma graçola que usa termos que hoje já não são concebíveis” e “que não é própria de um ministro das Finanças europeu”, para depois aproveitar a embalagem da asneira alheia para expelir e expandir as suas próprias asneiras, esticando-se – e mal – nas interpretações delirantes dos socialistas portugueses acerca dos motivos da crise.

A narrativa de Santos Silva é conhecida, até porque é a mesma de António Costa e de José Sócrates: “O que se passou com países como Portugal, Espanha ou Irlanda não foi termos gasto dinheiro a mais” – convém suster o riso nesta parte. “Nós, como outros países vulneráveis, sofremos os efeitos negativos da maior crise mundial desde os tempos da grande depressão” – snif, snif – “e as consequências de a Europa não estar suficientemente habilitada com os instrumentos que nos permitissem responder a todos aos choques que enfrentamos.” Ora cá está. Responsabilidades portuguesas? Um redondo zero. Responsabilidades europeias? Todas. Como é óbvio, este discurso é tão obscenamente primário e insultuoso quanto o de Dijsselbloem. Infelizmente, depois de nos atirarem com os copos e com as mulheres à cara passa por forma legítima de autodefesa. Estupidez com estupidez se paga. 

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