Controversas relações da Política com a Justiça

Em Angola, nem liberdade de expressão, nem liberdade de reunião.

A condenação dos jovens activistas angolanos não foi uma surpresa. Todos aqueles que acompanham a realidade angolana sabiam que se estava a escrever uma página triste da História do Poder Judicial angolano. Toda a gente sabia que se estava perante um julgamento político e que a sentença sempre seria política e, necessariamente, um motivo de vergonha para a Justiça angolana, tal como o são, para sempre, as sentenças dos tribunais plenários portugueses do antes do 25 de Abril.

O que não se sabia era o grau de servilismo e hipocrisia jurídica que iria embrulhar a decisão política. Agora já sabemos. Pode dizer-se que para a justiça angolana, quando se trata de agradar ao poder político, não há impossíveis. Mas, verdade seja dita que, neste momento, ninguém pode dar uma opinião aprofundada sobre os fundamentos da sentença visto que, passada quase uma semana da leitura da mesma, nem sequer os advogados dos arguidos conseguiram obter uma cópia!

Segundo informações de Luanda, foram lidos excertos condenatórios na televisão mas, para além do próprio tribunal, mais ninguém terá o texto da sentença para analisar e discutir. No Jornal de Angola online, jornal oficial do regime, parece que também foi possível ler os excertos finais da sentença com as condenações de cada um dos activistas, mas nada foi publicado quanto à fundamentação. De qualquer forma, já se sabe alguma coisa que é muito esclarecedora sobre o grau de palhaçada a que assistimos: o tribunal deixou cair as acusações de actos preparatórios de atentado contra a vida do José Eduardo dos Santos mas tirou do seu arsenal político-jurídico uma inopinada associação de malfeitores, o que lhe permitiu aplicar as pesadas penas de prisão que são conhecidas. A justiça em regimes autoritários ou ditatoriais é mesmo assim. Logo que for conhecida na íntegra a sentença, será então possível comentar com rigor aquilo que, para já, mais não indicia ser do que uma jogada de baixa política e de nenhuma justiça.

País onde, neste momento, justiça e política estão num verdadeiro frenesim é outro país irmão, o Brasil. Até o secretário-geral das Nações Unidas já se manifestou preocupado com o impacto social da instabilidade política e judicial brasileira.

Quem acompanha a realidade brasileira sabe que o facto de a corrupção que tem vindo a ser revelada não ser um fenómeno individual mas sistémico, abrangendo todas ou quase todas as forças políticas e numerosas empresas, não afasta as graves suspeitas que impendem sobre o ex-presidente Lula.

Os factos que se conhecem e que consubstanciariam a corrupção de Lula da Silva são, no entanto, algo equívocos: um triplex que nunca deixou de pertencer à construtora, embora tenha sido visitado pelo ex-presidente e pela mulher, uma quinta no interior que foi comprada por dois amigos de Lula, frequentada e mobilada por este e que se destinaria ao seu descanso e, ainda, diversos pagamentos de elevados montantes ao Instituto Lula, alegadamente a troco de palestras que terão sido realizadas pelo ex-presidente.

A propriedade do triplex não mudou de mãos só porque os meios de comunicação social alertaram para o que se estava a passar? A quinta foi comprada através do advogado de Lula? Fazia algum sentido as alegadas palestras serem pagas pelas empresas em causa? E terão mesmo sido realizadas as palestras?

Uma coisa é certa: nenhuma propriedade está registada em nome de Lula da Silva e nenhum documento existirá seguramente a estipular que quer o triplex quer a quinta lhe pertencem, como o Ministério Público acusa. Será que vai existir matéria suficiente para acusar? E para condenar?

Quem acompanha a realidade brasileira sabe que existe uma campanha política da oposição para destituir a actual presidente e que nada tem a ver com a luta contra a corrupção; e sabe que, sobre os políticos da oposição a comandar o processo de destituição da presidente Dilma Rousseff, recaem graves suspeitas ou acusações de corrupção; e sabe que o juiz Sérgio Moro se tem excedido nas suas actuações e revelações como foi o caso das gravações das intercepções telefónicas efectuadas às conversas entre Lula da Silva e a actual presidente ou o seu advogado.

Ainda assim, sabendo tudo isto, qualquer pessoa informada sabe também que não se pode – ou não se deve – travar o inquérito criminal em curso. A operação Lava-Jato tem trazido à luz do dia, práticas sistemáticas de corrupção e de indevida utilização dos dinheiros públicos absolutamente inaceitáveis. E Lula, apesar do seu passado e apesar do muito que trouxe e deu ao Brasil e aos brasileiros, não é inimputável nem intocável. Não está acima da lei: é um cidadão como qualquer outro.

Em suma: em Angola, os activistas são tratados abaixo da lei, no Brasil, Lula quer ser tratado acima da lei.

P.S.: Já é possível ter acesso ao registo sonoro da leitura da sentença de Luanda: https://soundcloud.com/kabuabuata/sentenca-do-17-activistas-nas-palavras-do-juiz-januario-domingos-jose . O comentário fica para uma próxima crónica.

 

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