Congresso protege Michel Temer, mas o futuro do Presidente não está garantido

A base aliada do Governo mobilizou-se para travar o processo judicial contra o chefe de Estado, acusado de corrupção. Temer conseguiu reunir os votos suficientes para se manter no cargo mas a margem da votação na Câmara dos Deputados vai permitir perceber o impacto do escândalo.

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Protestos da oposição contra Temer no Parlamento Adriano Machado/REUTERS
A oposição tentou, sem sucesso, adiar a votação
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A oposição tentou, sem sucesso, adiar a votação Reuters/ADRIANO MACHADO
Adversários de Temer entraram com malas de dinheiro no plenário
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Adversários de Temer entraram com malas de dinheiro no plenário LUSA/JOEDSON ALVES
Michel temer exonerou 11 ministros para votarem a seu favor
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Michel temer exonerou 11 ministros para votarem a seu favor Reuters/ADRIANO MACHADO

Uma prova de como o Congresso do Brasil vive numa realidade alternativa à do comum dos brasileiros: segundo as sondagens, 81% da população concorda que o processo aberto contra o Presidente da República, Michel Temer, indiciado pela Procuradoria-geral por suspeitas de corrupção, deve seguir o seu rumo na Justiça até às últimas consequências. No entanto, mais de metade da Câmara dos Deputados entende que o chefe de Estado deve ser preservado de uma investigação que, a chegar ao fim, obrigaria o país a empossar um terceiro Presidente em menos de dois anos. E, desta forma, os deputados não autorizaram que Temer seja julgado para já pelas acusações de corrupção.

Acusado de corrupção passiva depois de ter sido gravado pelo empresário Joesley Batista – dono de um dos maiores conglomerados do Brasil e um dos delatores da Operação Lava Jato – a negociar favorecimentos e o pagamento de subornos através de intermediários, Michel Temer seria afastado do cargo se a denúncia do Ministério Público contra si recebesse luz verde do Supremo Tribunal Federal, a instância que sanciona todos os processos contra eleitos. Se o Presidente for chamado a responder na Justiça por um crime comum, não escapará de um processo de impeachment, como o que enfrentou a sua antecessora Dilma Rousseff – julgada e destituída pelo Congresso sem nunca ter sido arguida numa acção penal.

Tal como há 14 meses, 60% dos deputados que se pronunciaram sobre a idoneidade do Presidente já foram condenados ou são igualmente arguidos ou suspeitos de crimes e ilícitos. Também hoje, como nessa altura, o ocupante do palácio do Planalto é o político mais impopular do Brasil (aliás, nesse quesito Michel Temer, com apenas 5% de aprovação, bate Dilma Rousseff aos pontos). No entanto, o contexto social e as circunstâncias económicas e políticas, ao contrário de 2016, não favorecem uma mudança drástica no Governo: nenhum deputado teve de lidar com piquetes de manifestantes à entrada do hemiciclo. Apesar da rejeição ao Presidente, não há, nem para a oposição, nem para a base aliada do Governo no Congresso, um incentivo óbvio para derrubá-lo.

Austeridade fica para depois

Experiente e astuto, Michel Temer esqueceu a ordem de austeridade do seu Governo e abriu a torneira do Orçamento para financiar projectos e distribuir cargos pelas bancadas mais influentes do Congresso, os ruralistas e o centrão. Para garantir a sobrevivência, o Presidente exonerou 11 dos 12 ministros que foram eleitos deputados, e que regressarão ao Governo depois da votação. “O dia vai ser comprido”, estimava a bancada do Partido dos Trabalhadores (PT), ou nas palavras do deputado José Guimarães, “esperamos um Inverno longo e tenebroso”. “Ainda não temos os 342 votos, mas cada vez mais deputados dizem que vão votar contra a corrupção”, completava Alexandre Molon, eleito pela Rede Sustentabilidade, o movimento criado pela ecologista Marina Silva.

Esse era o número do dia: só com a presença de 342 dos 513 parlamentares é que a votação do relatório podia ser iniciada; só 342 votos contra (o arquivamento da denúncia) levariam à abertura de uma acção penal contra o Presidente. Para “salvar” Temer, a base aliada do Governo precisava de garantir que pelo menos 172 deputados endossassem o relatório saído da Comissão de Constituição e Justiça, contrário à admissibilidade da denúncia e prosseguimento das investigações. “Vamos conseguir mais de 257 votos. Temos um número bastante consolidado”, antecipava o deputado do PP Júlio Lopes, vice-líder do Governo, no arranque da sessão.

A probabilidade de um golpe de teatro ou uma revolta de última hora era baixa, mas ainda assim houve algumas surpresas. Da liderança do PSDB, partido que integra o Governo Temer com quatro ministérios, saiu uma orientação de voto a favor da denúncia contra o Presidente, acompanhada da garantia de tolerância para os deputados que desrespeitarem a disciplina de voto. A posição ambígua reflecte a divisão no interior do partido sobre a permanência ou o desembarque do Governo – de tal maneira, que a decisão sobre a presidência da sigla, disputada pelos senadores Tasso Jereissati e Aécio Neves foi adiada para depois da votação. Tasso é apologista da saída do Governo; Aécio aliou-se a Temer.

Refém da Lava-Jato

O número final de votos era importante para aferir o “tamanho” da crise política e perceber até que ponto o apoio parlamentar do Presidente se desgastou com o escândalo: isto é, se terá condições de recuperar a iniciativa e garantir a aprovação das reformas – fiscal, da segurança social ou do sistema político – prometidas aos brasileiros. Geraldo Alckmin, o governador do estado de São Paulo que nunca escondeu as suas ambições presidenciais, defende que o seu PSDB deixe cair o Governo se Temer não for capaz de aprovar o chamado pacote da Previdência nos próximos dias e a reforma política não avançar dentro de um mês.

A agenda reformista também é o argumento invocado pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, o primeiro na linha de sucessão da Presidência, para manter a sua fidelidade (e da maioria dos parlamentares) ao actual Governo. Os jornais brasileiros têm dado conta do avolumar da tensão entre os dois líderes, provocando algum nervosismo. Maia pôs fim aos cochichos com uma entrevista em que reproduziu um ralhete da sua mãe, que lhe lembrou o valor da lealdade. “Não haverá da minha parte nenhum movimento para prejudicar o Presidente”, prometeu à GloboNews.

Além de mudanças súbitas na táctica e no humor dos aliados, a presidência de Michel Temer continua “refém” do avanço da Lava Jato e das decisões do Ministério Público em função das “bombas” das delações. Segundo a imprensa brasileira, são esperadas duas novas denúncias contra o Presidente, por organização criminosa e obstrução da justiça. O Procurador-geral, Rodrigo Janot, que Temer considera um inimigo, termina o mandato em meados de Setembro e já avisou: “Enquanto houver bambu, vai ter flecha”.

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