Como um comissário juntou contra si chineses, valões e homossexuais

Eurodeputados pedem afastamento de Gunther Oettinger. Mas o mais certo é vir a ser promovido.

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Gunther Oettinger é comissário desde 2010 AFP/JOHN THYS

O comissário europeu Gunther Oettinger está sob fogo depois de ter, de uma assentada, ofendido a China, a Valónia e os homossexuais. Eurodeputados da esquerda à direita pedem a sua demissão.

O comissário alemão, responsável pelo Mercado Digital, falava num encontro de empresários em Hamburgo, na semana passada, quando se referiu aos chineses usando uma expressão semelhante a “olhos em bico” – Schlitzaugen, em alemão – considerada racista. Na sua tirada, Oettinger ainda gozou com as roupas e os penteados de uma comitiva com que esteve reunido.

“Na semana passada, ministros chineses visitaram-nos para a cimeira anual China-União Europeia. Nove homens, um partido, nada de democracia. Uma proporção inexistente de mulheres. Todos eles de fato azul-escuro, todos penteados da esquerda para a direita, com graxa de sapatos preta.”

Oettinger pronunciou-se também sobre a polémica da ratificação do tratado de comércio livre entre a União Europeia e o Canadá, que esteve bloqueado durante semanas por causa da recusa do governo regional da Valónia em dar luz-verde ao documento. “Não é aceitável que uma micro-região [a Valónia tem 3,5 milhões de habitantes, mais do que alguns Estados como a Eslovénia ou a Estónia] dirigida por comunistas [o governo regional é liderado pelo Partido Socialista] bloqueie toda a Europa”, disse o comissário, segundo o relato de um representante daquela região belga presente no encontro.

O comissário não ficou por aqui. Ao falar das prioridades políticas do Governo alemão, Oettinger disse que não faltará muito para que seja aprovada uma lei para o “casamento gay obrigatório”.

O ministro-presidente da Valónia, Paul Magnette, reagiu às palavras do comissário com uma pergunta: “Será a Comissão tão dura com as expressões racistas-homofóbicas de Oettinger como foi contra aqueles que defendem a transparência e a democracia? Ficamos à espera.”

Bruxelas manteve um silêncio apenas quebrado pelo próprio Oettinger que apresentou, esta quinta-feira, um pedido de desculpas. “Tive tempo para reflectir sobre o meu discurso, e posso agora ver que as palavras que usei criaram sentimentos negativos e podem ter magoado as pessoas”, lê-se no comunicado. Oettinger diz ter sido simplesmente “franco e aberto”.

Promoção à vista?

O escândalo acontece numa altura em que Oettinger é o nome mais provável para subir na hierarquia da Comissão Europeia. Segundo vários jornais, o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, estará a equacionar colocar o comissário alemão à frente da pasta do Orçamento Comunitário, deixada vazia pela saída da búlgara Kristalina Georgieva para o Banco Mundial.

As principais críticas vêm do Parlamento Europeu, onde eurodeputados de todas as famílias políticas, com a excepção do Partido Popular Europeu, saíram contra Oettinger. “Em tempos de crescimento do populismo e do discurso de ódio, a União Europeia (UE) deveria ser líder na promoção da tolerância e da anti-discriminação, e não pôr gasolina no fogo”, disse Tanja Fajon, eurodeputada socialista.

As palavras de Oettinger “deveriam desqualificá-lo para qualquer cargo na Comissão”, disse a eurodeputada alemã do grupo dos Verdes, Julia Reda. “É necessário perguntar quantas mais vezes Oettinger irá ficar impune com este comportamento”, declarou o líder dos Conservadores Europeus e Reformistas, Syed Kamall.

No PÚBLICO, o ex-eurodeputado Rui Tavares apelidou Oettinger de “comissário sem qualidades” e pediu aos eurodeputados Paulo Rangel e José Manuel Tavares que travem a possível nomeação do alemão para a pasta do orçamento. “Ou a UE se posiciona claramente contra o populismo à Trump e Putin, ou promove um comissário que diz as mesmas coisas que eles”, escreveu Tavares.

A carreira de Oettinger está recheada de episódios polémicos, quase sempre envolvendo qualificações simplistas de outros países europeus. Em 2011, em plena crise das dívidas soberanas europeias, sugeriu que as bandeiras dos países que falhassem as metas orçamentais deveriam ser postas a meia haste no edifício da Comissão. À França chegou a chamar de “país deficitário reincidente” e qualificou a Itália, Bulgária e Roménia de “países essencialmente ingovernáveis”.

Como comissário para o Mercado Digital, as suas tiradas também chegaram a este tema. Na sequência da publicação de fotografias íntimas de celebridades, Oettinger disse não ser a sua tarefa proteger pessoas “suficientemente estúpidas para tirarem fotos nuas e colocá-las na Internet” – algo que não aconteceu, pois as fotografias foram roubadas dos servidores pessoais das vítimas.

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