Como o terrorismo pode piorar

Desta vez os alvos da barbárie são os ocidentais e os muçulmanos moderados. Esta é uma causa comum.

Durante milénios, as ameaças à segurança coletiva foram essencialmente militares e, consequentemente, os conceitos de defesa foram militares. Exércitos invadiam, destruíam, matavam, conquistavam. Para proteger os seus cidadãos, as nações montaram exércitos, tornando-os poderosos pelo número de soldados e armas. A dimensão era crucial.

Subitamente, o terrorismo contemporâneo invalidou muitas noções convencionais de defesa. As nações sentem-se desorientadas e indefesas. O terrorismo transnacional é sinuoso, usualmente não pode ser impedido por meios militares e não necessita de dimensão. O poder de indivíduos pode penetrar onde grandes exércitos não conseguem.

Em 11 de Setembro de 2001 os ataques terroristas da Al-Qaeda foram executados por apenas 19 civis que, sem armas ou explosivos, em algumas horas causaram cerca de 3000 mortes, mais do que as originadas pela ponderosa armada japonesa em Pearl Harbour com 353 aviões bombardeiros. Nem o poder militar de Hitler atacara o território continental dos Estados Unidos, mas aqueles 19 civis fizeram-no, atingindo o centro financeiro mundial em Nova Iorque e o coração das mais poderosas forças armadas do mundo, o Pentágono. As sociedades procuram soluções. Mas faltam-lhes ideias inovadoras e percepção estratégica daquilo que ainda virá.

A sociedade moderna é globalmente interligada. Um indivíduo num ponto remoto do Bangladesh com um computador e uma ligação à Internet pode sabotar sistemas de transporte, redes eléctricas ou o controlo de tráfego aéreo na Europa. Sem qualquer ataque físico, o vírus informático Stuxnet causou uma vasta destruição das centrifugadoras de urânio do programa nuclear do Irão. A ciberguerra e o ciberterrorismo, ainda na sua infância, crescerão espectacularmente. A “Internet das Coisas”, interligando dispositivos electrónicos comuns em todo o mundo, será uma maravilha da sociedade mas também um pesadelo de vulnerabilidades perigosíssimas ao dispor de criminosos e terroristas, o que poucos estão a compreender. O desenvolvimento da Inteligência Artificial e de “sistemas autónomos” de combate fornecerá, dentro de décadas, temíveis ferramentas de terror.

Vivemos numa matriz de imensos alvos fáceis. Um ataque a uma fábrica química crítica no Ocidente poderia matar até 10 mil pessoas. As redes ferroviárias são expostas mas não podemos vigiar cada metro dia e noite. Os Estados Unidos têm uma rede de 225.000 km. No Reino Unido 4 milhões de pessoas utilizam diariamente os comboios. Navios, água, alimentos, barragens e portos são igualmente pontos sensíveis. Infelizmente as nações tendem a ser reactivas, não proactivas. Por exemplo, não é verdade que o modelo dos ataques de 11 de Setembro de 2001 tenha sido uma total surpresa. Seis anos antes esteve iminente o derrube, com bombas, de 11 aviões em voo sobre o Pacífico e o ataque à sede da CIA com um outro avião, atentados que abortaram apenas devido a um acidente antes da sua execução.

As centrais nucleares possuem alta segurança mas não são invulneráveis a um ataque externo, sabotagem interna ou ciberataque. Terroristas, designadamente a al-Qaeda, têm tentado adquirir uma bomba nuclear, materiais físseis e tecnologia. Paradoxalmente, os ataques de 11 de Setembro de 2001 poderão, no mínimo, ter atrasado por muitos anos a estratégia nuclear da al-Qaeda. Semanas antes o próprio bin-Laden estivera reunido com especialistas nucleares paquistaneses. Algum tipo de terrorismo nuclear será provavelmente uma questão de tempo.

É possível construir-se uma bomba convencional com materiais disponíveis numa normal pequena cidade. Em Oklahoma esse tipo de bomba foi construído em 1995 por 4 americanos, matando 168 pessoas, ferindo 680, destruindo ou danificando 312 edifícios e causando 500 milões de dólares de danos físicos.

A devastação económica gerada pelo terrorismo não é ignorável. Os ataques da Al-Qaeda em 2001 não causaram apenas danos locais. Induziram um impacto na economia mundial e geraram pobreza e uma massiva perda de empregos, particularmente nas nações dependentes do turismo. Com a quebra no número de passageiros aéreos, em poucos meses faliram transportadoras carismáticas e fortes como a Sabena e a Swissair.

A violência do radicalismo islâmico é peculiar. Como nos defendemos quando um inimigo pretende morrer, acha glorioso assassinar, violar, decapitar e escravizar e julga que esse é um dever divino? O combate ao terrorismo islâmico é, na sua base, uma luta ideológica. Os muçulmanos moderados estão na linha de fogo dos radicais tal como os “infiéis”, e esses radicais consideram ser seu dever exterminar brutalmente todos os que não o são. Literalmente. Terão que ser os muçulmanos moderados a vencer essa guerra ideológica. Se tal não suceder, o terrorismo actual poderá revelar-se como uma antecâmara de um futuro sombrio e de violenta fissura civilizacional.

Não devemos tornar-nos paranóicos mas poderia revelar-se irresponsável e quase criminoso, especialmente perante as futuras gerações, se esta geração for incapaz, agora, de reconhecer os riscos e definir soluções inteligentes.

O mundo pergunta se é possível “conter” o Estado Islâmico. Obviamente a capacidade militar, financeira e logística do ISIS será praticamente destruída. Mas essa não é a verdadeira questão. Outros novos grupos surgirão, sequencialmente, sempre, cada vez mais letais. Com ou sem ISIS, o quadro mental da aniquilação de todos os “infiéis” está já semeado em todos os países europeus.

A todos aqueles que julgam que a Segunda Guerra Mundial começou em 1939 devemos lembrar que o caminho de guerra nazi se iniciou muito antes, mas a maioria dos europeus fingiu não ver o perigo em formação, até que era tarde demais. Cerca de 60 milhões de seres humanos pagaram horrivelmente com essa falta de visão.

Desta vez os alvos da barbárie são os ocidentais e os muçulmanos moderados. Esta é uma causa comum.

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