Com triunfo do ANC e Jacob Zuma no poder, África do Sul espera desastre ou fabulosa surpresa

A sua aura de revolucionário ganhou-a dos tempos da luta anti-apartheid, a sua popularidade nasceu da proximidade cúmplice que cultiva com as pessoas e o seu carisma vem da forma afectuosa como se relaciona com o povo.

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Jacob Zuma, entre milhares de apoiantes, festeja vitória do ANC Siphiwe Sibeko/Reuters

A sua aura de revolucionário ganhou-a dos tempos da luta anti-apartheid, a sua popularidade nasceu da proximidade cúmplice que cultiva com as pessoas e o seu carisma vem da forma afectuosa como se relaciona com o povo.

"É verdadeiramente uma alma calorosa, um homem de charme, com uma compreensão fantástica das aspirações que o povo tinha na luta de libertação", diz a embaixadora da África do Sul em Portugal desde 2005, Thandiwe Profit-McLean (que também participou no movimento de libertação) sobre Jacob Zuma.

Este prepara-se para ser eleito Presidente a 6 de Maio, pelo Parlamento, depois da vitória do seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC), nas eleições de quarta-feira.

O novo líder cresceu na pobreza, formou-se na adversidade, não completou os estudos, entregou-se a um ideal político. Tem 67 anos.A história e o contexto político do seu país elevaram-no a herói da libertação, como outros. Esteve preso dez anos, em Robben Island, com Nelson Mandela. E esteve muito próximo de outros líderes, como Thabo Mbeki, com quem mais tarde se incompatibilizou. Mas as suas credenciais para governar são postas em causa por respeitadas figuras como o arcebispo Desmond Tutu ou o ex-Presidente Frederick de Klerk.

Na clandestinidade e depois no exílio, era Zuma quem recebia os milhares de jovens forçados a deixar o país por aderirem à luta. Ganhou respeito "pela maneira como transformou esses jovens em homens", diz Profit-McLean.

"JZ", como é conhecido, é um homem das bases, do povo. Fala todas as línguas sul-africanas e isso é importante - entre a população mais pobre, muitos não dominam o inglês ou a língua afrikaner. É referido como um "campeão dos pobres e dos oprimidos".

Fim de uma tradição

O reverso da medalha é apontado por aqueles que associam a escolha de Zuma ao fim da tradição de o ANC seleccionar sempre os melhores entre as suas fileiras para as posições de liderança. O conceituado analista político Prince Mashele, do Instituto para os Estudos de Segurança, de Pretória, confessa estar muito "pessimista" relativamente ao futuro da África do Sul porque "Zuma representa algo novo" mas no mau sentido.

Tradicionalista zulu, nascido em 1942 na aldeia de Nklanda da província do KwaZulu Natal, onde ainda mantém uma grande fazenda tradicional, Zuma é casado com várias mulheres e tem pelo menos 18 filhos. Colecciona antecedentes judiciais que, para muitos, põem em dúvida a sua autoridade moral e em risco a credibilidade da África do Sul. Quando foi julgado por violação de uma amiga seropositiva, disse ter tomado um duche para prevenir o contágio, revelando falta de conhecimento sobre o assunto ou simplesmente mau gosto, realçaram analistas.

Num recente processo de que foi alvo, Zuma sempre se disse inocente das acusações de fraude, corrupção, branqueamento e evasão fiscal. A justiça, porém, não o declarou nem culpado, nem inocente. Apenas se pronunciou, há 15 dias, pelo abandono do processo por defender que o momento em que este foi desencadeado, em 2005, tinha sido propositadamente escolhido para comprometer a sua ascensão política.

Jacob Zuma, na altura vice de Thabo Mbeki, foi acusado de receber mais de quatro milhões de rands (cerca de 360 mil euros, no câmbio actual) em subornos para tentar viabilizar um negócio de armas no valor de cinco mil milhões de dólares e outros contratos governamentais para o seu conselheiro financeiro, Schabir Shaik. Este foi condenado a 15 anos de prisão em 2005 (e recentemente libertado por razões de saúde).

Zuma pode estar inocente, dizem observadores, mas a suspeição vai continuar a pairar sobre ele por nunca ter sido julgado.

E isso é inquietante, escreveu recentemente o analista Prince Mashele. Porque, enquanto Presidente, Zuma será a figura que encarna os valores morais da nação, e que são dessa forma questionados. "Um líder controverso não inspira unidade nacional nem coesão social", acrescentou numa entrevista ao PÚBLICO. "A respeitabilidade internacional da África do Sul vai decerto ressentir-se."

Para aqueles que quiserem antecipar como será o país - potência regional, maior economia de África e país do G20 - com Zuma na presidência, Mashele diz não haver ainda resposta, perante o "muito pouco que se conhece do que ele pensa".

Expansivo e populista, o novo Presidente pouco ou nada revela, enquanto político, sobre o que defende para a economia ou a política externa sul-africanas. "Enigma" chamou-lhe a revista britânica The Economist.

Quando questionado, Zuma diz seguir a linha do que defende o partido, que o formou e cujos ideais - o fim da pobreza, das injustiças e desigualdades - ele tão bem encarna, defende Thandiwe Profit-McLean.

Crescer no partido

Zuma tinha 17 anos quando se juntou ao ANC. Depois dos dez anos de prisão em Robben Island, mobilizou a resistência interna.

Em 1975, partiu para o exílio: Suazilândia, Moçambique, Angola, onde aprendeu Português. Em 1990, foi dos primeiros líderes a regressar à África do Sul, para participar nas negociações que levaram ao fim do apartheid. Chegou a secretário-geral adjunto do partido e em 1997 foi eleito vice-presidente, cargo que ocupou até 2005, quando foi demitido pelo Presidente Mbeki, depois de acusado de corrupção.

Em resposta aos críticos, a embaixadora Thandiwe Profit-McLean diz que o importante é que "JZ" foi escolhido de forma democrática. "Deve ser-lhe dada uma oportunidade", diz. E conclui: "O mundo pode estar à beira de ter uma fabulosa surpresa".

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