Com dois tweets, Trump derrota próprio partido na abertura do Congresso

Bancada republicana queria acabar com órgão independente de investigação dos conflitos de ética, mas recuou após críticas de Trump.

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Donald Trump durante a festa de fim de ano na Florida Reuters/JONATHAN ERNST

A abertura da 115.ª legislatura do Congresso norte-americano – a primeira na era de Donald Trump – não podia ter sido mais dramática. O Partido Republicano tinha tudo preparado para fazer aprovar uma polémica emenda ao regulamento interno do Congresso, mas à última hora acabou por recuar, pouco depois de ter recebido críticas do Presidente eleito.

Em causa estava uma proposta que, na prática, pretendia acabar com o gabinete independente de ética, o organismo responsável por investigar conflitos de interesse e queixas por conduta ilícita dos congressistas. A medida foi apresentada na reunião preparatória da bancada republicana, na noite de segunda-feira, sem que nem o speaker da Câmara dos Representantes, Paul Ryan, nem o líder da maioria, Kevin McCarthy, tivessem sido notificados.

Como a emenda incidia sobre o regulamento interno do Congresso – que é votado de uma só vez – esperava-se que mesmo os republicanos críticos dessem luz-verde à medida.

Mas pouco antes do arranque dos trabalhos parlamentares, McCarthy convocou uma reunião de última hora da bancada republicana para apresentar uma moção que repõe os poderes do gabinete de ética.

A emenda proposta pelo congressista republicano da Virgínia, Bob Goodlatte, pretendia transformar o gabinete num serviço dependente do comité de ética da Câmara de Representantes – que, como todos os comités, é composto por congressistas numa base proporcional aos votos. A ideia, disse Goodlatte, era no sentido de proteger os direitos dos deputados investigados contra investigações excessivamente zelosas.

A notícia deixou o establishment político de Washington à beira de um ataque de nervos. “Parece que a ética é a primeira baixa do novo Congresso republicano”, reagiu a líder da minoria democrata na câmara baixa, Nancy Pelosi, criticando duramente o que descreveu como manobras na sombra, na véspera da entrada em funções da nova legislatura, para “destruir” o gabinete de ética.

Mas entre os republicanos o incómodo não deixou de se sentir. Na reunião do grupo conservador onde a proposta foi apresentada e aprovada, Paul Ryan e Kevin McCarthy manifestaram a sua oposição à medida, e votaram vencidos. Várias organizações de promoção da transparência e combate à corrupção também censuraram a iniciativa. Apesar das resistências internas, a medida acabou por ser aprovada por uma maioria dos republicanos.

A algumas horas da abertura da sessão legislativa, Paul Ryan já justificava a posição do partido. “Muitos membros acreditam que o Gabinete de Ética necessita de uma reforma para proteger o processo justo e assegurar que está a trabalhar de acordo com a missão que lhe é definida.”

O momento-chave do dia aconteceu por volta das 10h (mais cinco horas em Portugal continental), quando o Presidente eleito veio recordar aquela que foi uma das promessas que mais ressonância teve junto do eleitorado que lhe deu a vitória – “drenar o pântano” político de Washington.

"Com todo o trabalho que há para fazer no Congresso, tinham mesmo que tornar o enfraquecimento do gabinete de ética, apesar de ser injusto, na prioridade número um. Concentração na reforma fiscal, saúde e tantas outras coisas mais importantes", acrescentou Trump.

Bastaram 140 caracteres – ou melhor, 280, – para que a liderança republicana recuasse logo no seu primeiro dia da legislatura em que controlam as duas câmaras do Congresso. Ao mesmo tempo que reconhece que o gabinete de ética é “injusto”, dando razão à linha do partido, Trump não se coibiu de sugerir outros temas a que os congressistas devem dar prioridade.

O primeiro dia do domínio absoluto do Partido Republicano no Congresso acabou por resultar num “olho negro para a bancada e para a sua liderança”, declarava a revista The Atlantic, “talvez tornado ainda mais humilhante pelo reparo público feito pelo seu próprio Presidente eleito”.

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