Duelo pela hegemonia da esquerda vai marcar campanha em Espanha

O desafio de Sánchez é mostrar que Rajoy é o seu verdadeiro rival quando pode ser ultrapassado pela esquerda, caso se confirme a aliança entre o Podemos e a Esquerda Unida. Impasse não deverá ser ultrapassado nas urnas.

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Pablo Iglesias, líder do Podemos, não saiu beneficiado da crise política em Espanha, mas é menos penalizado do que o socialista Pedro Sánchez AFP/PIERRE-PHILIPPE MARCOU

À frente das sondagens continua Mariano Rajoy e o seu Partido Popular. Tanto o socialista Pedro Sánchez como o líder do Podemos, Pablo Iglesias, apontam o ainda primeiro-ministro como o principal rival nas legislativas já marcadas para 26 de Junho, seis meses depois das de 20 de Dezembro. Na prática, o que se avizinha é uma guerra sem tréguas pelo segundo lugar e pela liderança da esquerda.

Os eleitores espanhóis decidiram o fim do bipartidarismo e, mesmo perante o impasse, dois terços continuam a preferir uma solução em que vários partidos negoceiem para governar do que a tradicional alternância entre um partido de direita e outro de esquerda.

Análise: O dilema espanhol

Quatro meses de negociações fracassadas e recusas em negociar – Rajoy não aceitou ser investido pelo rei, mesmo tendo sido o mais votado, afirmando não ter quaisquer apoios –, Sánchez e Iglesias são os líderes mais penalizados. De acordo com uma sondagem da Metroscopia para o El País, publicada a dois dias da dissolução do Parlamento, o PP aumenta ligeiramente a sua vantagem (passa de 28,7% para 29%). PSOE e Podemos descem (de 22 para 20,3% e de 20,7 para 18,1%) e o Cidadãos, de Albert Rivera, visto como o líder que mais tentou contribuir para um consenso ao negociar com os socialistas, sobe de 13,9% para 16,9%.

O problema para Sánchez é a possível coligação entre o Podemos e a Esquerda Unida: as discussões já começaram e ainda esta semana se deverá saber se os partidos avançam juntos. Neste caso, diz a mesma sondagem, o novo bloco obteria 22,3% e ficaria à frente do PSOE. É que o líder da federação de esquerdas, Alberto Garzón, viu o seu apoio subir nos últimos quatro meses (o partido cresce de 3,7 para 6,6%), enquanto tentava contribuir para uma solução de governo, na mesma medida em que o de Iglesias diminuía.

Resta saber o que decide fazer Gárzon com os seus novos eleitores, num cenário em que há muito mais apoio a esta união entre os apoiantes do Podemos do que entre os que hoje se dizem decididos a votar na Esquerda Unida.

Sánchez parece condenado a fazer campanha contra Rajoy e contra Iglesias em simultâneo. Questionado numa entrevista publicada domingo no El Mundo sobre qual dos dois é o seu rival, o socialista responde Rajoy. “Sem dúvida. Rajoy representa tudo o que temos de expulsar da política espanhola: a falta de acção contra a corrupção; a falta de acção face aos problemas dos cidadãos, como o desemprego e a desigualdade… Representa a falta de prestação de contas”, acrescenta.

Distinguindo sempre entre o Podemos e Iglesias – Sánchez diz que o líder do Podemos “não representa os seus eleitores” e que foi este, à frente da ala dura do partido, a impedir um acordo que viu “muito próximo –, o candidato socialista diz que “votar Iglesias é votar contra o PSOE e perpetuar Rajoy como presidente” do governo.

O tom de Iglesias

Antes, durante a reunião do comité federal do PSOE, Sánchez já afirmara que é fundamental ficar à frente do Podemos. “Será muito mais fácil dialogar e chegar a um acordo com o Podemos se aumentarmos a nossa vantagem. E isso só será possível se centrarmos toda a nossa estratégia política até às eleições no nosso verdadeiro rival: o PP de Mariano Rajoy”, defendeu. É exactamente este o desafio de Sanchéz para as próximas semanas.

Provavelmente animado com a possibilidade de uma aliança com Garzón o colocar como líder da esquerda, Iglesias aproveitou as comemorações do 1º de Maio para afirmar que vai oferecer ao PSOE a entrada no governo “como um aliado”. “Mesmo que vençamos as eleições, não lhes pediremos que nos apoiem desde fora, mas que estejam no governo como um aliado”, disse, na mesma intervenção em que admitiu que terá de “baixar o tom”.

Rajoy pode conseguir em Junho aquilo que o El País chama “vitória por esgotamento”. O PP é beneficiado se houver menos pessoas a sair de casa para votar (para já, os inquéritos admitem uma participação três pontos percentuais mais baixa), estando já reduzido ao seu eleitorado mais fiel. E só tem a ganhar com um combate entre Sánchez e Iglesias. Para ser primeiro parece bastar-lhe continuar a fingir-se de morto e a acenar com o fantasma da instabilidade – claro que isso não chega para governar e o impasse de Dezembro será com grande probabilidade o impasse de Junho.    

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