Churchill tentou esconder telegramas que envolveriam Eduardo VIII numa conspiração nazi

Documentos revelados nesta quinta-feira pelos arquivos nacionais britânicos dão provas do esforço do histórico primeiro-ministro junto do Presidente americano e do governo francês para minimizar o impacto da intriga. Em 1957, os telegramas foram divulgados. Alguns tinham como destino Lisboa.

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Winston Churchill, o primeiro-ministro britânico, era muito criticado pelo duque de Windsor PA

Sabe-se agora que o primeiro-ministro Winston Churchill tudo fez para que fossem apagados do conhecimento público quaisquer telegramas atestando uma conspiração nazi para devolver ao antigo rei Eduardo VIII o trono a que ele renunciara para se casar com a norte-americana Wallis Simpson.  

Esta conspiração, com mais de 70 anos, passava por Portugal. Como? Os telegramas demonstram que os nazis planeavam raptar o duque de Windsor – título que recebeu ao abdicar, em 1936, tendo ocupado o trono por pouco menos do que um ano – e a sua mulher à passagem por Espanha, quando o casal se dirigia para Lisboa depois de ter deixado França em virtude da ocupação alemã, que começou em 1940 e só terminou quatro anos depois.

Não é difícil imaginar que o impacto da revelação destes telegramas na reputação do príncipe Eduardo seria grande, agravado pelo facto do também duque de Windsor ter já a sua imagem fragilizada: não escondia os ressentimentos que tinha em relação à casa real britânica nem as suas opiniões sobre as políticas de Winston Churchill. E as suspeitas de que simpatizava com o regime nazi, reforçadas pela sua visita à Alemanha com Wallis em 1937, em que foram recebidos pelo próprio Adolf Hitler, aliadas à célebre ocasião em que defendeu publicamente que, com ele como rei, a guerra não teria começado, faziam dele uma figura incómoda para a Grã Bretanha.

A passagem por Lisboa

Os duques ficaram em Lisboa, capital de um país oficialmente neutral, quase um mês em 1940, antes de um navio de guerra os levar para as Bahamas, onde Eduardo desempenharia funções de governador, cargo que via como um “exílio” e que Churchill entendia adequado para o afastar da Europa e, assim, de hipotéticas tentativas de aproximação do Reich.

Segundo os documentos do gabinete do primeiro-ministro divulgados esta quinta-feira pelos Arquivos Nacionais do Reino Unido, Churchill pediu ao Presidente norte-americano Dwight Eisenhower e ao governo francês que impedissem a publicação de quaisquer telegramas envolvendo este plano de Berlim por “dez ou 20 anos, pelo menos”.

Segundo o diário britânico The Guardian, Churchill justificou o pedido com o facto de os telegramas em causa, que ofereciam o trono ao duque caso as tropas do Eixo viessem a ocupar a Grã-Bretanha, serem “tendenciosos e pouco fiáveis”, podendo dar a ideia, errada, de que Eduardo estava “em contacto com agentes alemães e dava ouvidos a propostas desleais”.

Apesar dos esforços do então primeiro-ministro britânico, os telegramas, trocados entre Joachim von Ribbentrop, ministro dos Negócios Estrangeiros de Hitler, e os seus embaixadores em Madrid e Lisboa, foram tornados públicos em 1957, levando Eduardo (1894-1972) a classificar os seus conteúdos como “falsidades completas”.

Num deles, enviado para Lisboa a 11 de Julho de 1953 e agora transcrito pelo jornal The Independent, o ministro diz ao seu embaixador que “o duque precisa de ser informado, em Espanha e a seu tempo, de que a Alemanha deseja a paz com o povo britânico, e de que a facção que apoia Churchill é um obstáculo [a essa paz]”. E continua, garantindo que a Alemanha está determinada a forçar a Inglaterra a aceitar a paz “através do uso de todos os métodos” e que estará pronta, no caso de isso vir a acontecer, para realizar qualquer desejo do duque, nomeadamente o do regresso ao trono, com a duquesa a seu lado.

O príncipe fora informado de que, segundo a Constituição britânica, depois de abdicar jamais poderia voltar a ser rei, mas mais tarde foi confrontado por um agente espanhol (Espanha apoiava a Alemanha, como se sabe) com a possibilidade de o desenrolar da guerra vir a produzir alterações na lei.

"Totalmente injustas"

O histórico chefe de Governo britânico sentiu-se obrigado a pedir a Eisenhower que mantivesse secretos os telegramas quando foi informado, em 1953, de que cópias, em microfilme, tinham sido encontradas nos arquivos alemães e de que o Departamento de Estado norte-americano estava a ponderar incluí-las na sua versão oficial da Segunda Guerra Mundial, para a qual contribuiria o ambicioso programa académico montado pelos Aliados para revelar documentos nazis fundamentais, muitos deles de origem diplomática. Foi no âmbito deste programa a cargo de vários historiadores que os telegramas acabariam divulgados, quatro anos mais tarde.

O presidente, que provavelmente quis tranquilizar o seu forte aliado, respondeu a Churchill, a 2 de Julho de 1953, garantindo que a interpretação que os serviços secretos de Washington faziam dos referidos telegramas não era diferente da do primeiro-ministro. Também Eisenhower acreditava que aquelas comunicações se destinavam a “fragilizar a resistência ocidental” e eram “totalmente injustas” para o duque de Windsor.

Ainda que compreendesse o pedido de Churchill - primeiro-ministro de 1940 a 45 e entre 1951 e 55 –, Eisenhower não fez qualquer promessa de secretismo, alegando que os historiadores envolvidos no tratamento dos arquivos alemães podiam discordar que se ocultassem as comunicações entre o ministro do Reich e os seus embaixadores.

Nestes telegramas, assim como nos documentos do gabinete do primeiro-ministro agora divulgados, nada indica que Eduardo estivesse ao corrente da conspiração nazi e muito menos que fosse com ela conivente, diz a imprensa britânica.

Os documentos agora publicados mostram ainda que o irmão de Eduardo, o rei Jorge VI, que morreu em Fevereiro de 1952, insistiu para que o duque fosse devida e atempadamente informado do seu conteúdo caso os esforços para impedir a divulgação dos telegramas falhassem.

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