Bruxelas propõe multas para incumpridores do sistema de quotas de refugiados

Comissão Europeia analisa regras de asilo. Governo de Ancara garante que está a cumprir as exigências impostas em troca da liberalização dos vistos.

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O Governo de Ancara quer que os cidadãos turcos possam viajar para a Europa sem necessidade de visto Osman Orsal/Reuters

A Comissão Europeia está disposta a aplicar multas aos países que se recusarem a cumprir a sua parte no acolhimento de migrantes, refugiados e exilados: segundo uma proposta aprovada esta quarta-feira, no âmbito da revisão das regras de asilo da União Europeia, as sanções podem chegar aos 290 mil euros por pessoa. Para passar à prática, a medida terá que ser aprovada também pelos Estados membros e pelos deputados do Parlamento Europeu.

A Convenção de Dublin seria mantida, exigindo que os refugiados peçam asilo ao Estado membro onde chegaram primeiro, explica a BBC. Mas seriam introduzidas mudanças para evitar “números desproporcionais” de pedidos – Itália e Grécia são os países mais fustigados, só este ano já chegaram 28.593 pessoas ao território italiano e 154.862 ao grego. Já existe um sistema de redistribuição de 160 mil migrantes, acordado em 2015, mas até agora apenas uma ínfima parte foi cumprido.

A crise dos refugiados levou vários países a restabelecer os controlos nas suas fronteiras, nomeadamente a Alemanha, Áustria, Suécia, Dinamarca e Noruega. A Comissão propôs que a medida seja prolongada “por um período máximo de seis meses”. “Schengen é um dos grandes feitos da União Europeia, e a nossa ambição é restaurar a normalidade no espaço Schengen”, afirmou o comissário europeu para a Migração, Assuntos Internos e Cidadania, Dimitris Avramopoulos. “Mas entretanto, enquanto enfrentamos algumas deficiências nas nossas fronteiras externas, isto requer que tomemos medidas temporárias para permitir a extensão dos controlos internos fronteiriços excepcionais”.

Entretanto, tal como previsto, a Comissão Europeia propôs esta quarta-feira aos governos da UE que permitam aos cidadãos turcos viajarem sem visto no espaço europeu, uma das medidas contempladas no acordo entre Bruxelas e a Turquia para travar o fluxo de refugiados. Por sua vez, o Parlamento de Ancara fez aprovar durante a noite várias medidas que visam responder às exigências de Bruxelas.

Margrethe Vestager, comissária europeia responsável pela Concorrência, publicou no Twitter uma fotografia com a declaração da CE, onde se pode ler que “a Comissão Europeia está a propor o levantamento das obrigações de visto para os cidadãos da Turquia”. Em contrapartida, a Turquia teria de cumprir 72 condições para que a isenção de vistos pudesse acontecer.

O tweet de Margrethe Vestager não adianta se a CE considera cumpridas as suas exigências. Mas num comunicado, o comissário Dimitris Avramopoulos declarou que “as autoridades turcas realizaram francos progressos desde a Cimeira UE-Turquia de 18 de Março e confiamos que a Turquia está empenhada em cumprir todos os seus compromissos, o mais rapidamente possível”.

O ministro turco dos Negócios Estrangeiros, Mevlut Cavusoglu, deu também a entender que as medidas estavam a ser adoptadas. “Estamos prestes a completar o trabalho técnico necessário, incluindo os passaportes [biométricos]. Queremos ver tudo isso no relatório da Comissão Europeia”, disse na televisão NTV. “Se há falhas, este é um processo como o de adesão à UE, e essas falhas podem ser ultrapassadas no futuro com a determinação turca”, adiantou.

Entre a legislação aprovada está também uma lei que regula, através de uma comissão de controlo, a forma como as autoridades policiais são punidas por alegados crimes, adianta a Reuters. Ancara teria ainda de dar provas de que a sua legislação garante direitos fundamentais como a liberdade de expressão, direito a julgamentos justos e protecção das minorias.

O comunicado da CE adianta que “em casos excepcionais, a aceleração da implementação do roteiro traduziu-se na impossibilidade de cumprir alguns critérios de referência”. Mas a Comissão “reconhece os progressos positivos realizados pelas autoridades turcas e encoraja estas a intensificar, com urgência, os esforços envidados para cumprir todos os requisitos, a fim de obter a liberalização do regime de vistos até ao final de Junho”.

Para o Governo turco, esta é uma das condições fundamentais para que a Europa possa contar com o seu apoio na resolução da crise dos refugiados, depois de no ano passado cerca de um milhão de pessoas terem chegado ao continente. Mas a isenção de vistos para os 79 milhões de turcos (maioritariamente muçulmanos) é uma questão espinhosa entre os Estados membros da UE. A totalidade do acordo terá de ser aprovada até Junho pelo Parlamento Europeu e pelos Estados-membros, o que não é garantido que aconteça.

Nessa caso, ficaria comprometido o controverso programa de troca de refugiados que já está em marcha, no âmbito do qual a Turquia aceita a deportação de todos os estrangeiros que partirem do país para o espaço europeu de forma ilegal, independentemente da sua origem ou estatuto legal: por cada migrante “devolvido” a território turco, a União Europeia acolherá um refugiado sírio “legítimo”, entre os 2,7 milhões que vivem nos campos turcos. Ancara receberá ainda seis mil milhões de euros de ajuda.

Organizações de direitos humanos têm contestado fortemente o compromisso assumido com Ancara, argumentando que não só viola princípios da lei internacional e humanitária, como pode condenar definitivamente aqueles que procurar fugir da guerra ou da miséria.

 

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