Catalunha prepara-se para declarar independência se não houver referendo

Mariano Rajoy, presidente do Governo, reage ao documento revelado pelo El País - diz tratar-se de "um delírio jurídico" e que Puigdemont está a "liquidar o Estado de Direito".

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Rui Gaudencio

O governo autonómico catalão tem um plano para accionar de forma imediata e unilateral o processo de independência da Catalunha, caso o Governo de Madrid proíba a marcação de um referendo sobre o assunto. O chefe do executivo espanhol, Mariano Rajoy, diz que se trata da “liquidação do Estado de direito”.

O cenário de uma ruptura unilateral não é algo de novo no debate independentista. Mas o “esboço” que o El País revela esta segunda-feira mostra o quadro legal que iria regular os primeiros tempos da “República da Catalunha”. O diploma legal é abrangente e, entre outros aspectos, define as regras da obtenção da nacionalidade, quais as leis espanholas que seriam absorvidas no novo ordenamento jurídico, e até qual o destino dos funcionários públicos vinculados à Administração Central. O objectivo é que funcione como uma espécie de Constituição para o período de transição após a independência.

Segundo o El País, o Parlamento catalão poderia aprovar estas disposições legais em apenas 48 horas, pondo em acção uma independência de facto. Restam, porém, muitas dúvidas quanto à viabilidade legal e prática de alguns dos pontos da lei da ruptura. Os seus autores partem, por exemplo, do pressuposto de que um futuro Estado catalão iria manter as leis comunitárias actualmente em vigor em Espanha, apesar dos vários avisos de Bruxelas de que a Catalunha teria de passar por todo o processo de adesão à União Europeia.

O porta-voz da plataforma Juntos pelo Sim, Jordi Turull, desmentiu a existência do plano. “Quem divulgou este suposto esboço está muito desfasado, e desmentimo-lo”, afirmou o responsável da coligação eleitoral que junta partidos a favor da independência catalã. Por outro lado, o governo catalão não desmentiu a existência deste plano, mas um porta-voz garantiu ao jornal La Vanguardia que a convocação do referendo continua a ser o grande objectivo “e a prioridade total é fazê-lo em acordo com o Estado”.

Em Madrid, a notícia de que a declaração unilateral de independência está a ser ponderada foi recebida com profunda irritação. Mariano Rajoy descreveu o plano catalão como uma “chantagem intolerável” e pediu ao presidente do executivo regional, Carles Puigdemont, que “dê a cara” por ele e o venha explicar ao país. Para Rajoy, o projecto catalão representa a “liquidação do Estado de Direito. O porta-voz do Governo, Iñigo Méndez de Vigo, pediu a Puidgemont para “não ameaçar” com a possibilidade de uma secessão unilateral.

Mais do que um plano realista – o El País fala num “exercício de equilibrismo jurídico” –, o esboço revelado tem valor sobretudo como arma política, no contexto do longo braço-de-ferro que se arrasta entre Barcelona e Madrid desde 2014. A sua divulgação coincide com a ida de Puigdemont a Madrid, esta segunda-feira, onde participa numa conferência em que explica a sua proposta para a consulta sobre a independência, que pretende agendar para o Outono.

“Iremos esperar até ao último minuto do prazo”, garantiu Puigdemont, embora deixando claro que, se o não de Madrid persistir, a Generalitat irá avançar para uma consulta unilateral. Em caso de vitória independentista, Puigdemont espera dialogar com Madrid para “implementar o resultado e articular a transição para o novo Estado catalão”. O chefe do executivo catalão tinha sido convidado para se dirigir ao Congresso dos Deputados, mas declinou, optando por marcar a conferência.

A coincidência da presença de Puigdemont em Madrid e da divulgação do plano de ruptura representam mais uma tentativa de colocar pressão sobre o Governo central para autorizar a consulta. O Tribunal Constitucional já decidiu que o governo catalão não tem competência para convocar um referendo, colocando o ónus em Madrid. Porém, com uma maioria dos deputados – entre os conservadores do PP e dos Ciudadanos – a partilhar uma oposição à consulta, é improvável que o referendo receba luz-verde.

O impasse levou o anterior governo catalão a convocar de forma unilateral uma consulta independentista, em Novembro de 2014, considerada ilegal pelo Supremo Tribunal. As autoridades regionais querem agora mostrar que, se o bloqueio em Madrid persistir, estão dispostas a ir mais longe.

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