Carnaval do Rio, uma festa para os humanos e um festim para os mosquitos

As grandes multidões vão dar ao vírus Zika novas oportunidades para se propagar – através de picadas de mosquito mas também através de contactos sexuais.

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A modelo Sabrina Sato no desfile de São Paulo NELSON ALMEIDA/AFP
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Desfile em São Paulo Paulo Whitaker/REUTERS
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Distribuição de informação sobre o Zika na praia de Copacabana, antes dos desfiles de Carnaval Christophe SIMON/AFP
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Desfile em São Paulo NELSON ALMEIDA(AFP
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Milhões de pessoas espalham-se pelas ruas da cidade do Rio durante o Carnaval Pilar Olivares/Reuters

Tuane Rocha, uma rainha do samba alta e radiante, estará a dançar nua nas ruas do Rio de Janeiro usando apenas tinta de maquilhagem corporal. Mas ela vai precaver-se. “Primeiro, vou pôr uma camada de repelente”, explicou. “Depois maquilhagem. E depois a tinta.”

Ela é muito rápida a dançar. E acha que pode evitar os mosquitos se estiver sempre a mexer-se.

Nada pára o Carnaval no Brasil. Nem o Governo, nem uma economia de rastos, nem a epidemia de vírus Zika.

Milhões de brasileiros estão nas ruas para comemorar um dos maiores bacanais do mundo, um festim de dança e álcool que atrai para a farra gente de todas as partes do mundo. Não há dúvida de que alguns voltarão para casa com o vírus Zika e ajudarão a espalhar a infecção pelo globo. As grandes multidões vão dar ao vírus novas oportunidades para se propagar – através de picadas de mosquito mas também através de contactos sexuais.

A chegada do Carnaval é um dos desafios da luta contra o surto de Zika nas Américas. A Organização Mundial de Saúde declarou uma “emergência global”. Mas não se sente que exista uma situação de emergência, apesar da possibilidade aterradora de trazer ao mundo uma geração de bebés de cabeças reduzidas.

As mulheres grávidas e as suas famílias estão assutadas. Mas, ao contrário do ébola, da cólera ou da sida, no início da epidemia, o vírus Zika não parece ser uma ameaça imediata e letal à população em geral. Cerca de 80% das pessoas infectadas não apresentam sintomas. E o melhor – na verdade o único – método de lutar contra o Zika é fazer algo que já se devia fazer: eliminar os locais onde os mosquitos se reproduzem, em casa e nos espaços ao ar livre.

Os mosquitos que transmitem o vírus Zika também se dão bem nos sítios que não pertencem a ninguém. As espectaculares florestas urbanas e montes verdejantes do Rio de Janeiro estão cheios deles. O mesmo acontece nos baldios da cidade e nas divisórias das estradas, que se enchem de lixo onde a água da chuva se acumula. E o Carnaval vai fazer com que se acumule ainda mais lixo.

O Governo nem quer ouvir de falar de cancelar os Jogos Olímpicos de Agosto por causa do Zika, e pela cabeça dos brasileiros nunca passou a ideia de que pudesse não haver Carnaval. É o feriado mais sagrado do Brasil, explicou o sociólogo Luiz Simas. Serve precisamente para ajudar as pessoas a esquecerem-se dos problemas.

“Os estrangeiros podem achar um bocadinho estranho. Mas na história do Rio de Janeiro, nos momentos mais difíceis, o Carnaval é ainda mais intenso”, explicou Simas. “Não se festeja no Carnaval porque a vida é boa, mas antes porque a vida é difícil.”

Além da parada principal – uma enorme procissão patrocinada por grandes empresas com milhares de bailarinos em fantasias elaboradas – o Carnaval são centenas de festas de rua, com samba e bebida durante toda a noite quente do Verão brasileiro. É difícil pensar em locais mais apropriados para os mosquitos – e para o sexo ocasional.

As imagens do Carnaval brasileiro podem contribui para a percepção internacional de que o país não está a esforçar-se para conter o surto de Zika, por receio de perder rendimentos do turismo.

Esta semana, cientistas nos Estados Unidos e na Europa queixaram-se de que o Brasil não estava a partilhar amostras do Zírus suficientes para serem estudadas, devido a uma lei de biossegurança – que poderá ser modificada para eliminar este problema.

A Presidente Dilma Rousseff rejeita acusações de que não está a levar suficientemente a sério o problema. Declarou guerra ao mosquito Aedes aegypti e incentivou os brasileiros a mobilizarem-se contra o vírus, e prometeu às grávidas que o Governo “vai fazer tudo, absolutamente tudo em nosso poder para vos proteger.”

Mandou mais de 220 mil soldados para todo o país à caça de mosquitos, e distribuir panfletos sobre o mosquito a mais de três milhões de casas. Cerca de 50 mil vão procurar águas estagnadas onde os insectos se reproduzem. Mas a grande acção só vai começar na semana que vem. Depois do Carnaval.

"As pessoas esperam que o Governo faça tudo por elas”, disse Leandro do Nascimento, um funcionário do departamento de saúde municipal, que distribuía panfletos e preservativos aos foliões do Carnaval. “Têm de assumir responsabilidade por isto.”

Leandro do Nascimento era um dos funcionários municipais que dançavam samba e distribuíam preservativos e lubrificantes ao pé dos transportes, como é costume antes do Carnaval, para incentivar o uso de métodos de prevenção do HIV. Este ano, adicionaou informação sobre o Zika, e alguns vestiram-se de mosquito, com asas de plástico e máscaras com o ferrão do insecto em borracha.

“Não sabemos grande coisa sobre o Zika. Só o que ouvimos na televisão”, comentou Alessandro Tavares, na estação central do Rio, ao lado da sua mulher, Vanessa dos Santos, que está grávida de nove meses. As brigadas que devem andar a espalhar larvicida contra o mosquito pela cidade ainda não chegaram ao seu bairro – uma das favelas onde os mosquitos pululam. Eles mantêm as portas e as janelas fechadas, barram-se de repelente de insectos, mas estão cheios de preocupação por causa do bebé que vai nascer.

“Está nas mãos de Deus”, concluiu.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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