Capacetes azuis da ONU começam a ser julgados por abusos sexuais

São os primeiros três dos 21 capacetes azuis congoleses suspeitos de abusos na República Centro-Africana.

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Imagem de capacetes azuis na República Democrática do Congo Ed Cropley/Reuters

Três soldados dos capacetes azuis das Nações Unidas acusados de abuso sexual foram a julgamento, esta segunda-feira, na República Democrática do Congo. Os três congoleses da missão da ONU na República Centro-Africana (MINUSCA) são os primeiros a ser julgados no escândalo em que mais de 100 vítimas denunciaram abusos sexuais por parte de soldados ao serviço da ONU e de forças francesas.

Os sargentos Jackson Kikola e Kibeka Mulamba Djuma são acusados de terem violado menores de idade, enquanto o sargento Nsasi Ndazu é acusado de desobedecer a ordens dos seus superiores e de tentativa de violação. Todos afirmaram estar inocentes e ainda não foram conhecidas as suas sentenças.

Outros 18 soldados da República Democrática do Congo acusados de violação, ou de tentativa de violação, durante uma missão na República Centro-Africana foram também presentes a tribunal, mas ainda não foram ouvidos. Estão previstas três audições por semana, o que significa que o processo poderá levar meses até estar completo. Segundo as regras da ONU, a responsabilidade da investigação e das acusações aos capacetes azuis competem aos países que contribuíram com as tropas para as missões de paz.

“Queremos transparência absoluta neste julgamento”, afirmou Alexis Thambwe Mwamba, ministro da Justiça da República Democrática do Congo, à AFP. “Alguns indivíduos não podem desacreditar o nosso Exército”, acrescentou. Já Ida Sawyer, advogada da Human Rights Watch, afirmou à mesma agência que o julgamento é um “primeiro e um bom passo para acabar com a impunidade”, apelando a que os países envolvidos assegurem uma “verdadeira justiça”.

Na semana passada, as Nações Unidas identificaram 108 novos casos de vítimas de abusos por parte dos capacetes azuis, a maioria delas menores de idade, que foram violadas, abusadas sexualmente ou exploradas por tropas estrangeiras. Um relatório divulgado por um grupo de advogados com sede nos EUA reportou à ONU que três raparigas da República Centro-Africana foram amarradas e obrigadas por um comandante militar francês, em 2014, a ter relações sexuais com um cão.

O porta-voz da ONU, Stéphane Dujarric, considerou que estas acusações são “absolutamente chocantes” e prometeu uma “acção disciplinar exemplar” caso sejam provadas. O Presidente francês, Francois Hollande, também foi bastante crítico, prometendo que, caso se comprove as acusações contra as tropas francesas, estas enfrentarão uma acção disciplinar e possíveis penas criminais. “Não podemos, e eu não posso, aceitar a menor mancha na reputação das nossas Forças Armadas e da França”, afirmou Hollande.

As mulheres e crianças na República Centro-Africana passam por um verdadeiro inferno, uma vez que estão no centro da violência entre as milícias de maioria cristã, anti-balaka, e as forças muçulmanas, séleka. Muitas vezes, acabam por ser violadas por cristãos pelo facto de terem estado em contacto com muçulmanos. Para além disso, sucedem-se os casos em que acabam a ser vítimas de abuso e exploração sexual por parte dos capacetes azuis da ONU, que trocam sexo por necessidades básicas.

Contudo, as acusações contra os capacetes azuis não se ficam pela República Centro-Africana. A ONU denunciou esta segunda-feira 11 capacetes azuis provenientes da Tanzânia que estão acusados de abuso e exploração sexual na República Democrática do Congo, existindo pedidos de paternidade em todos os casos. “Todas as acusações envolvem pedidos de reconhecimento da paternidade”, afirmou Dujarric, numa conferência de imprensa, sem precisar se entre as vítimas existem menores de idade. Afirmou ainda que será providenciado apoio médico e psicológico às vítimas.

Os homens acusados estavam integrados numa brigada em Mavivi, a Este do país, e, segundo Dujarric, não é ainda possível afirmar que o número de acusados fique por aqui. A missão da ONU na República Democrata do Congo (MONUSCO) começou em 1999, no seguimento do genocídio no Ruanda. Centenas de soldados e oficiais do Exército Hutu que participaram no massacre fugiram para o país vizinho e continuam a lutar no Leste do país, juntamente com outros grupos armados.

A ONU tem defendido “tolerância zero” para casos de abusos sexuais que envolvam capacetes azuis, e o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon considerou estes casos como um “cancro no sistema”. As acusações feitas aos soldados ao serviço da ONU em vários países africanos não são de agora, e o número de relatórios que identificam novas vítimas e culpados não têm parado de aumentar.

Texto editado por Ana Gomes Ferreira

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