Cameron diz aos britânicos que o "Brexit" é um "salto no desconhecido"

Primeiro-ministro avisa que a saída da União Europeia é irreversível e faz ataque feroz a Boris Johnson, o "líder" da campanha pelo "não" no Partido Conservador dividido.

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No Parlamento de Londres, Cameron falou sobretudo para o seu Partido Conservador dividido DR
Boris Johnson, que no dominfo se tornou o líder oficioso do "Não" à União Europeia
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Boris Johnson, que no domingo se tornou o líder oficioso do "não" à União Europeia Stefan Wermuth /Reuetrs

O primeiro-ministro britânico pediu esta segunda-feira aos cidadãos que não dêem "um salto para o desconhecido", ao apresentar, no Parlamento, o acordo que fez com a União Europeia (UE) para evitar a saída do reino do "clube" de Bruxelas. Nesta que é a primeira etapa de uma campanha dura e longa antes do referendo do "Brexit", atacou ferozmente os que defendem o "não" à Europa, acusando o líder desta facção, Boris Johnson, de defender a saída da UE por razões eleitoralistas.

David Cameron enunciou o tema, que deverá ser o seu principal argumento na defesa do "sim" à UE, a estabilidade económica. Deixar a Europa, disse o primeiro-ministro — que marcou o referendo para 23 de Junho —, é "uma ameaça à segurança económica" do país. Sair, argumentou, implica "riscos num tempo de incertezas". "Quando o que está em causa são os empregos das pessoas, não podemos dizer que tudo vai correr bem." Exigiu que a facção do "não" explique claramente ao eleitorado as consequências de uma saída da União Europeia e pediu aos cidadãos para se informarem e reflectirem bem, antes de decidirem como votar.

"Reconheço que há desvantagens em estar na UE. Mas posso olhar de frente para os britânicos e dizer-lhes como será a vida se ficarmos", disse Cameron. Respondendo também aos que, dentro do seu Partido Conservador, defenderam que fora da UE o Reino Unido se manterá à margem das ameaças que o resto da Europa enfrenta, disse que o "Brexit" significará que o país fica mais vulnerável a ataques — perante o Estado Islâmico, ou as incertezas de segurança colocadas pela Rússia, a Europa tem de se manter unida. "Este não é um momento para dividir a Europa", afirmou.

Cameron fez o seu discurso de apresentação perante uma Câmara dos Comuns em grande expectativa. Aguardava-se o momento em que Boris Johnson, que é presidente da câmara de Londres e aspira a suceder a Cameron na liderança dos tories e do governo, questionasse o primeiro-ministro. No discurso, Cameron antecipou-se ao adversário e lançou-lhe um ataque demolidor, diz a imprensa britânica.

Acusou Johnson de ter uma agenda pessoal — chegar ao poder — e de usar o referendo como arma política. O presidente da câmara de Londres defendera, há dias, a possibilidade de a votação de 23 de Junho não ser definitiva, de poder haver posteriormente outro referendo — a sua posição é a de que Cameron deve usar a ameaça do "Brexit" para arrancar de Bruxelas um acordo que garanta bastantes mais excepções a Londres.

"No plano da diplomacia, a ideia de que os países europeus estão receptivos a uma segunda negociação é uma tolice. Muitos já estão a ser pressionados por causa do que cederam. Depois há o plano da legalidade. Quero deixar isto muito claro: Se o povo britânico votar pela saída, só há um caminho", disse Cameron, que passou à explicação para desmontar a ideia de Johnson. Será accionado — "imediatamente, pois é isso que os britânicos esperam" — o artigo 50 dos tratados que inicia um processo de negociações de dois anos que culmina com a saída do Reino Unido da União Europeia. "No final deste período, se não se chegar a qualquer acordo, a saída é automática, a não ser que um dos outros 27 Estados-membros se oponha. Mas que fique claro que este processo não é um convite à readesão, é o caminho para fora", explicou.

"Não alimento a ironia de algumas pessoa, que querem sair só para no fim ficarem. Infelizmente, conheço muitos casais que começaram o processo de divórcio. Mas não conheço nenhum que tenha começado um processo de divórcio com o objectivo de renovar os votos de casamento. Esta abordagem também ignora questões mais profundas sobre diplomacia, democracia e legalidade", disse Cameron.

Perante estes ataques directos a Boris Johnson, a parte da bancada conservadora da Câmara dos Comuns favorável ao "sim" gritou: "Mais, mais." Cameron rematou a sua intervenção: "Não estou a lutar pela minha recandidatura. Não tenho qualquer agenda a não ser fazer o que é melhor para o país." O primeiro-ministro — que em Maio conseguiu a maioria absoluta numas eleições dominadas pelo aumento da imigração, o que obrigou Cameron a comprometer-se com o referendo — já anunciou que deixará a liderança e que não será candidato nas próximas legislativas.

Levantou-se então Boris Johnson — apoiado pelos cem deputados conservadores da ala do "não", mas não pelo ministro da Justiça, Michael Gove, o "peso-pesado" do Governo que defende a saída da UE, mas que, relata o Telegraph, não estava sentado nas primeiras filas dos Comuns.

Johnson — que ouviu Cameron claramente irritado, diz a BBC — ignorou as "bocas" (mandaram-no pôr a camisa para dentro das calças) e, ele que insiste para que Cameron divulgue a totalidade do acordo com Bruxelas, fez a primeira pergunta. "Posso pedir ao meu honroso amigo, o primeiro-ministro, que explique à câmara e ao país exactamente em que é que este acordo devolve a soberania em qualquer matéria de legislação a este Parlamento?" A principal crítica da ala conservadora do "não" é considerar que o acordo de Cameron, anunciado como uma proposta de reforma da UE e que garantiu alguma autonomia ao Governo de Londres em matéria de controlo de imigração e de garantia de benefícios sociais aos estrangeiros, não chega.

"Este acordo devolve alguns poderes no campo da Segurança Social, devolve alguns poderes na questão da imigração, mas, mais do que isso, mantém para sempre o Reino Unido de fora de qualquer passo no sentido de maior união", disse Cameron. "Lixo, lixo", foi dizendo Johnson.

A batalha trava-se sobretudo dentro do Partido Conservador, profundamente dividido sobre a União Europeia. Perante o risco de esta guerra interna dominar o debate e a campanha para o referendo, o liberal-democrata Nick Glegg (que fez parte do anterior Governo Cameron, de coligação), advertiu: o referendo é sobre o futuro do Reino Unido, não é sobre "as divisões" do Partido Conservador. Os lib-dem e os trabalhistas são a favor da permanência na UE.

Pouco antes do debate, e no que foi considerado uma reacção ao surgimento do popular Boris Johnson como "cabeça de cartaz" do "não", a libra esterlina caiu para valores mínimos de quase sete anos face ao dólar, penalizada pela incerteza quanto ao resultado do referendo — uma libra estava a valer 1,4058 dólares, o nível mais baixo desde Março de 2009, tentando depois recuperar. Em relação ao euro, a moeda britânica também registava um recuo, mas menor.

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