Cabe aos cubanos mudar o seu país, insiste Barack Obama

Num discurso no Gran Teatro de Havana que foi transmitido para todo o país, através da televisão, reconheceu as falhas do sistema americano - como a desigualdade - para dizer que a democracia "é a melhor forma de resolver os problemas".

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Presidente dos EUA, Barack Obama, faz discurso para a televisão no Gran Teatro de Havana REUTERS/Jonathan Ernst

Do palco do renovado Gran Teatro de Havana, o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, referiu-se ao “futuro de esperança” que se abre para Cuba, num eloquente e emocionado discurso, transmitido em directo pela televisão nacional, em que pediu aos cubanos para “abraçar a mudança”, deixando para trás as “batalhas ideológicas do passado” e as décadas de hostilidade e conflito. “Cabe-vos a vocês a tarefa de mudar o vosso país”, afirmou.

Com o Presidente de Cuba, Raúl Castro, sentado na primeira fila para assistir ao discurso, Obama explicou o propósito da sua visita histórica a Havana. O líder norte-americano veio, resumiu, para estender uma “mão amiga” ao povo cubano e ao seu Governo, e para “enterrar definitivamente os últimos resquícios da Guerra Fria” nas Américas.

É um exercício incompleto, reconheceu: apesar dos passos dados no sentido da normalização das relações diplomáticas e comerciais, e de todas as iniciativas administrativas para dinamizar os contactos entre os dois países e aprofundar o relacionamento entre os dois povos, o embargo em vigor desde 1962 permanece um obstáculo. Como Raúl Castro, Obama defende o fim do bloqueio tão cedo quanto possível. “Mas mesmo se o embargo fosse levantado amanhã, os cubanos não poderiam desenvolver todo o seu potencial sem outras mudanças e reformas no país”, alertou.

A intervenção foi pensada para ser o momento alto de uma agenda que não contemplava momentos baixos. Desde que aterrou em Havana, no domingo à noite, tudo o que Barack Obama fez e disse foi inédito, histórico, inimaginável, extraordinário – desde a sua passagem inicial pela embaixada dos EUA em Cuba, à reunião com o seu congénere no Palácio da Revolução, passando pelos contactos com empreendedores e dissidentes políticos cubanos, as homenagens aos heróis nacionais do país e a chamada diplomacia do beisból (é assim que dizem os cubanos): no fim do dia, o Presidente assistiu ao jogo entre a selecção nacional de Cuba e a equipa dos Tampa Bay Rays da Florida, em ambiente de apoteose.

O discurso de Obama dificilmente poderia ter acontecido num lugar mais emblemático do que a sala do Grande Teatro da capital rebaptizada com o nome de Alicia Alonso, a inigualável bailarina nascida em Havana, que foi a estrela maior do American Ballet Theater e que desenvolveu a companhia de Ballet Nacional de Cuba. O percurso de vida da prima ballerina assoluta cubana, de Havana para Nova Iorque e de novo para Havana; a admiração e reconhecimento que recolhe junto do público dois países, é uma espécie de padrão e exemplo do que podem ser as relações entre americanos e cubanos – que podem e devem comportar-se como “amigos e vizinhos e família”, disse Obama.

E como fazem os amigos, Obama não se coibiu de fazer críticas e de chamar a atenção para aspectos menos felizes da vida cubana. “Eu acredito que todos os cidadãos devem poder dizer livremente o que pensam sem medo. E que os eleitores devem poder escolher os seus governantes em votações livres e democráticas, e organizar-se para protestar pacificamente e criticar o seu Governo. Nem toda a gente concorda comigo, e nem toda a gente concorda com o povo americano. E não posso obrigar-vos a concordar”, reconheceu o Presidente, olhando para a plateia de mais de mil convidados, muitos deles altos dirigentes políticos cubanos, e muitos deles membros da gigantesca comitiva que viajou com Obama dos Estados Unidos.

Uns e outros ouviram o Presidente admitir a existência de muitas “falhas” no sistema americano, como “a desigualdade económica, a pena de morte, a discriminação racial”, enumerou, dizendo que esses eram apenas alguns dos pontos que faziam parte da “lista muito mais longa” de defeitos dos EUA que Raúl Castro tinha feito questão de apontar. Mas a auto-crítica, defendeu Barack Obama, é uma virtude fundamental desse modelo imperfeito. “A democracia é a melhor forma de resolver estes problemas. É o debate franco e aberto que nos permite melhorar”, argumentou.

O regime não respondeu às constantes referências do Presidente dos EUA às questões de liberdade – política e religiosa – e direitos humanos. Claramente pouco habituado a ser confrontado pela imprensa, o Presidente Raúl Castro ora ignorou ora reagiu com agressividade às perguntas colocadas pelos jornalistas norte-americanos na conferência de imprensa conjunta no Palácio da Revolução, na segunda-feira. Mas a população cubana gostou de ouvir as palavras de Obama, mesmo as mais críticas. “Acho que ele foi muito honesto e corajoso”, dizia à Reuters Santiago Rodriguez, de 78 anos. “O discurso tinha muitas sugestões positivas e críticas construtivas para o futuro de Cuba. E ele tem razão: não foi só por causa do embargo que nos sentimos esmagados durante todos estes anos”, acrescentou.

Do Gran Teatro de Havana, Obama seguiu para a embaixada dos Estados Unidos onde se encontrou, em privado, com líderes da sociedade civil e dissidentes cubanos, entre os quais Berta Soler, a líder do grupo das Damas de Branco que todos os domingos se manifestam a favor da libertação dos presos políticos, e o porta-voz da Comissão Cubana para os Direitos Humanos e a Reconciliação Nacional, Elizardo Sanchez, que mantém a contabilidade das detenções por crimes de consciência no país (foram 2555 nos primeiros dois meses de 2016, segundo a sua contagem).

 

 

 

 

 

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