Este é o fim da União Europeia? "Não", diz Juncker

Líderes europeus apelam à união entre os 27 e querem que o Reino Unido inicie o processo de saída o quanto antes.

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O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, pediu que se iniciem rapidamente as negociações de saída JOHN THYS/AFP

Os representantes das instituições europeias em Bruxelas estavam preparados para reagir a uma vitória, ainda que pequena, a favor da permanência do Reino Unido na UE, mas às primeiras horas da manhã tiveram de reescrever os seus discursos e rever as suas posições. Foi um amanhecer difícil na capital europeia, com os líderes incapazes de esconder o choque com a decisão do povo britânico em referendo.

“Estou muito triste com esta decisão, mas é claro que temos de a respeitar,” confessou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, nas suas primeiras palavras aos jornalistas. “É uma situação sem precedente, mas estaremos unidos na nossa resposta”, acrescentou.

A um repórter que lhe perguntou se este era o fim da União Europeia respondeu com um lacónico "não". E saiu da sala da conferência sob forte aplauso do pessoal da Comissão, relata a Reuters.

Para os funcionários britânicos da UE deixou ainda uma palavra: não perderam o emprego de um dia para o outro, assegurou. "De acordo com o nossso estatuto, vocês são funcionários da 'União'. Deixam os 'chapéus' nacionais à porta desde que entram nestas instituição. Hoje, esta porta não se fecha para vocês", escreveu Juncker numa carta enviada aos funcionários - viam-se lágrimas nos rostos de muitos deles.

"Desilusão"

Mas as mensagens em Bruxelas, uma atrás da outra foram de "desilusão" com o resultado, e de apelo à "calma" e à "união" entre os restantes 27 membros do bloco rejeitado na véspera pelos eleitores do Reino Unido. "Tínhamos dois discursos preparados. Mas passámos muito mais tempo a fazer o da vitória da permanência. Para ser sincero, era um discurso muito melhor", disse à Reuters um elemento da Comissão que esteve envolvido na elaboração desses discursos.

Agora que a decisão foi sair, a UE foi clara: que o Reino Unido saia o quanto antes. Só assim, a incerteza politica e económica que se instalou com o anúncio do resultado do referendo terá um fim. “Esperamos agora que o Reino Unido inicie o processo para concretizar a sua decisão o mais rápido possivel, indepedentemente do quão doloroso esse processo se possa tornar. Qualquer atraso prolongaria de forma desnecessária a instabilidade politica e económica”, declarou o presidente da Comissão Europeia.

Mas os 27 que ficam devem "evitar a tentação de se tornarem vingativos, e focarem-se em vez disso na construção de consensos em áreas como a segurança, a migração e o crescimento económico", disse o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Frank-Walter Steinmeier, à televisão alemã ZDF.

Dado o resultado do referendo, cabe agora às autoridades britânicas accionar o Artigo 50 do Tratado de Lisboa – que dita que um Estado membro pode deixar a UE e negociar a saída durante um período de dois anos.

Há muitas questões jurídicas a resolver, desde as novas regras para o comércio entre o Reino Unido e a UE à reconfiguração do Parlamento Europeu, onde actualmente têm assento 73 eurodeputados britânicos. “Qualquer acordo com o Reino Unido como país terceiro terá de reflectir os interesses de ambos os lados, de forma equilibrada em direitos e obrigações,” notou Juncker. “Até este processo estar concluído, o Reino Unido continuará membro da União Europeia". explicou.

O presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, admitiu que o momento que se vive é “histórico" mas alertou contra "reacções histéricas". O polaco, que dirige as cimeiras europeias, disse estar “ciente do quão sério e até dramático este momento é politicamente”, mas acrescenta que a UE a 27 está preparada para lidar com a situação.

Haverá muito que discutir na cimeira da próxima terça-feira em Bruxelas. É preciso perceber como continuar com menos um país dentro do clube, e qual o futuro depois desse membro sair – o caminho deve ser mais ou menos integração europeia? Há quem acredite que caminhar para uma Europa federalista é a única forma de impedir o fim da UE. Mas também há quem diga que não se deve dar motivos para a vitória de movimentos populistas.

Na tentativa de encontrar e definir um futuro a 27, a Europa desdobra-se em reuniões. A chanceler alemã, Angela Merkel, convidou o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, o Presidente francês François Hollande e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, para um encontro em Berlim na segunda-feira.

O Parlamento Europeu anunciou também uma sessão plenária extraordinária, na segunda-feira, para analisar o resultado do referendo britânico.

Choque e oportunidade

A eurodeputada do Partido Socialista, Ana Gomes, disse ter ficado "chocada" com o resultado do referendo e lamentou profundamente a decisão do povo britânico. É um “terramoto para o Reino Unido e para Europa”, afirmou. No entanto, trata-se também de uma “oportunidade para a União de se reformar” e, "sem eufemismos” avançar para uma Europa federalista, considerou.

Já Marisa Matias, que representa o Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu, acredita que o referendo inicia um “processo complicado”, sobretudo para o Reino Unido. “Não creio que seja o fim da UE, mas tenho mais dúvidas do que certezas do que será o futuro do Reino Unido”, disse ao PÚBLICO.

Marisa Matias não se surpreendeu com a demissão do primeiro-ministro David Cameron, que "tinha obviamente que assumir o resultado", mas na sua opinião, o líder conservador devia ter tentado criar condições de estabilidade até à sua saída.

Finalmente, o eurodeputado do PSD, Paulo Rangel, disse que o resultado apanhou a Europa “de surpresa” e que é preciso agora uma resposta “forte” por parte da União, para evitar uma “multiplicação de referendos”. Já começaram a ouvir-se vozes de partidos eurocépticos, em vários países, que reclamam a realização de novas consultas populares sobre a participação na UE.

“Tornou-se oficial, estamos numa crise política,” concluiu.

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