Brexit: UE descarta plano de Londres para discutir já o futuro do comércio

Primeiro de vários documentos prometidos pelo Governo britânico propõe uma união aduaneira temporária e um acordo futuro que tornaria desnecessárias as barreiras comerciais. Uma "fantasia" reagiu Verhofstadt.

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Davis diz que só em Outubro irá divulgar quanto Londres está disponível para pagar antes de deixar a UE Francois Lenoir/Reuters

Foi fria a reacção da União Europeia ao primeiro documento em que o Governo britânico detalha o seu plano para o futuro das relações comerciais com os actuais parceiros. Na proposta apresentada esta terça-feira, Londres defende um acordo temporário que manteria o essencial da sua actual ligação à união aduaneira, com o objectivo de garantir o mínimo de sobressaltos após o “Brexit”, mas Bruxelas reafirma que esta é uma discussão que só poderá começar depois de haver progressos suficientes sobre os termos da saída britânica.     

O Governo britânico não esconde que está numa corrida contra o tempo para mostrar trabalho depois de o desaire das legislativas ter exposto as divisões sobre o rumo a seguir no “Brexit” e de ter sido acusado de chegar à primeira ronda de negociações, em Julho, sem propostas concretas sobre os temas mais difíceis em cima da mesa, como o direitos dos cidadãos afectados pelo "Brexit" e as contribuições ainda devidas por Londres aos cofres comunitários. Assume também a sua impaciência com o faseamento das negociações imposto pela UE, argumentando que não será possível acertar os termos do “divórcio” sem serem conhecidas as bases da futura relação.

A primeira das 12 propostas que prometeu apresentar até à cimeira europeia Outubro é, por isso mesmo, sobre um dos temas que mais dores de cabeça está a dar aos empresários britânicos, mas que não está ainda formalmente em discussão. “O Reino Unido é o principal parceiro comercial [dos restantes 27 Estados] da UE, por isso é do interesse de ambos os lados chegar a um acordo sobre o futuro das nossas relações”, disse o ministro para o “Brexit”, David Davis, insistindo que o objectivo é negociar “o sistema mais livre e sem entraves possível” às trocas comerciais.

Londres reafirma que irá sair da actual união aduaneira – que aboliu as tarifas entre os Estados-membros e impõe taxas únicas para as exportações de países terceiros – tal como irá abandonar o mercado europeu em Março de 2019, data prevista para o “Brexit”. Mas para evitar as temidas filas nas fronteiras após essa data (com imprevisíveis consequências para as empresas exportadoras) quer manter durante os dois a três anos seguintes uma “associação próxima” à UE, ainda que com duas alterações significativas em relação ao actual sistema – passaria a poder negociar acordos comerciais com países terceiros e não estaria sob a alçada do Tribunal de Justiça da UE, sugestões que prometem ser contenciosas para Bruxelas.  

O Governo britânico quis ir ainda mais longe, propondo duas alternativas para um futuro acordo aduaneiro, incluindo um modelo “nunca testado e inovador” de “parceria”, que levaria o Reino Unido a manter as actuais regras e taxas para as importações de países terceiros que teriam como destinatário final os países da UE (aplicando normas próprias apenas para os bens que viessem a ser consumidos no país). Um modelo que tornaria desnecessária a criação de barreiras comerciais entre os dois blocos, incluindo na sensível fronteira entre a Irlanda e a Irlanda do Norte, explica o Politico.

A UE deitou de imediato gelo sobre as ambições britânicas. “Como [o chefe dos negociadores europeus] Michel Barnier disse várias vezes não é possível ter um ‘comércio sem entraves’ fora do mercado único ou da união aduaneira”, reagiu a Comissão Europeia que, apesar de prometer estudar “cuidadosamente” as sugestões, reafirma que só discutirá o futuro quando “houver progressos suficientes sobre os termos da saída”.

Guy Verhofstadt, coordenador do Parlamento Europeu para o “Brexit” foi mais longe, escrevendo no Twitter que Londres propõe uma “fantasia” quando fala de “barreiras invisíveis”. Na mesma rede social, o próprio Barnier afirma que quanto mais depressa houver um acordo sobre os termos da saída, “mais depressa se poderá discutir o comércio e o futuro das relações”.

Mas sobre este capítulo, Davis não deixou muito margem para esperanças, ao revelar que não vai divulgar antes da cimeira de Outubro o montante máximo que o Reino Unido está disposto a pagar para selar as suas contas antes do “Brexit”. Apesar de admitir que Barnier está a ficar “bastante zangado” com a posição britânica, diz que cabe à UE justificar a base legal para os montantes que está a exigir ao país. 

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