“Brexit”, projecto europeu e interesses de Portugal

Portugal deve pugnar para que a União Europeia não contribua para incentivar a fragmentação de Estados-Membros.

A decisão do Reino Unido (RU) de abandonar a União Europeia (UE) constitui um acontecimento que irá marcar de forma indelével o futuro do processo de integração europeia e colocar desafios cruciais a Portugal. Propomo-nos centrar a atenção no impacto do "Brexit" na UE, referindo-nos ao que pensamos poderá vir a ser uma das respostas mais prováveis a essa saída, à posição que Portugal deve assumir face a essa hipótese e a algumas atitudes de curto prazo.

1. “Brexit”, circunstâncias em que ocorre e consequências para a UE

 O referendo do RU acontece num período em que três crises sucessivas já tinham corroído a confiança e a adesão ao projecto europeu em vários Estados-Membros (EM). Referimo-nos à crise das dívidas soberanas na zona euro, à crise em torno do acordo de associação da Ucrânia à UE e à crise dos refugiados.

Todas elas foram desencadeadas depois de 2010, num contexto em que a UE foi das macro-regiões mundiais com menor crescimento na última década, perdendo competitividade e revelando-se incapaz de reduzir significativamente o nível de desemprego, em particular da sua população juvenil, não obstante dispor de um vasto mercado interno, encarado pelos Estados Membros (EM) como condição necessária para crescer na fase de globalização.

 Ocorreram ainda num período em que o essencial do alargamento da UE já se concretizara, com duas alterações institucionais concomitantes: o reforço do modelo intergovernamental no processo de decisão da União e a crescente disfuncionalidade e ineficiência da Comissão Europeia decorrente da expansão dos seus membros e da multiplicação de pelouros e áreas de intervenção.

Acresce, como referimos em texto anterior, que “o aprofundamento voluntarista de algumas políticas que tocaram o cerne das soberanias – como foi o caso do euro ou de Schengen – foi levado a cabo com uma escassa ponderação da assimetria dos seus efeitos e com uma medíocre visão prospectiva sobre o respectivo comportamento em cenário de tensão”.

A saída do RU terá de imediato três consequências para a UE.

Sem o RU, qualquer iniciativa da UE conducente à formação de uma comunidade de segurança e defesa e de consolidação das indústrias de defesa europeias não tem fundamentos que a tornem uma opção viável. E sem a segurança e defesa como núcleo central de uma nova fase de integração, nomeadamente tendo em conta o ambiente de turbulência que rodeia a Europa, a UE vai continuar a apostar na economia como base para uma União Politica quando, ao contrário da segurança, que pode unir os povos, a economia divide-os.  

Sem o RU a UE fica muito debilitada na sua expressão política à escala global, perdendo um parceiro com poder nuclear, assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas e que constitui a quinta economia do mundo incluída no G8.

Sem o RU, onde está sedeada a maior praça financeira europeia e que dispõe de um sistema financeiro assente no mercado de capitais, não parece plausível avançar para um mercado europeu de capitais competitivo à escala global. Londres atua como uma das principais plataformas tecnológicas mundiais por onde fluem muitos dos capitais que têm vindo a impulsionar o movimento de globalização dos mercados financeiros. A saída do RU da UE virá tornar mais complexo e difícil o desenvolvimento de um mercado de capitais integrado ao nível europeu, fundamental para o financiamento da economia em contexto global. 

Sem o RU, a UE perde um importante contribuinte líquido para o seu orçamento, debilitando-a no plano financeiro, uma vez que não é expectável que haja disponibilidade dos restantes EM para substituírem a contribuição do RU e muito menos para ampliarem o orçamento da UE.

2. Uma provável resposta e a posição de Portugal

Uma das respostas mais prováveis para procurar superar a debilitação que a saída do RU provoca na UE, será a tentação, por parte de alguns Estados e da superstrutura da União, de avançar rapidamente para uma nova etapa de integração centralizadora, desta vez reservada a um grupo mais restrito de EM. A elevada heterogeneidade política e económica dos 27 Estados torna inviável que qualquer futuro projecto possa englobar a totalidade deles, ao mesmo tempo que a constituição de um grupo restrito, que funcionaria na prática como um directório no seio da actual UE, agravaria a crise de legitimidade interna da UE, contribuindo para um ainda maior incumprimento do princípio da igualdade dos Estados.

Caso se concretize tal resposta – que representaria uma mudança radical do processo de integração europeia a que aderimos – Portugal deve empenhar-se na procura de soluções que preservem no essencial os princípios fundamentais que presidiram à criação das comunidades europeias. O contributo que pretendemos dar a esse debate centra-se no modo como se pode encarar a reorganização da Europa no período pós-“Brexit”.

Assim, caso, repita-se, se assista à constituição de um grupos restrito de Estados que avance na integração e centralização nas áreas económica, política e de segurança, consideramos que a gestão do mercado único e das políticas a ele mais directamente associadas (políticas comercial, social, de concorrência, redes transeuropeias, etc.) deverá ser transferida, em paralelo com a criação do grupo restrito, para um novo “espaço económico comum” (“eec”), institucionalmente reforçado, que integre os 27 EM.

Esta evolução obrigará a repensar a União Monetária e exige uma resposta para as dívidas excessivas acumuladas a partir da crise financeira de 2008.

A Aliança Atlântica, de importância decisiva para Portugal, deve continuar a ser a organização em que se apoia a segurança e defesa de grande parte do espaço europeu. A presença do RU na NATO permitirá preservar com esse país uma identidade de objectivos estratégicos, com especial projecção no reforço da dimensão transatlântica.

3. Entretanto...

Entretanto, no processo negocial que se abrirá entre o RU e UE, entendemos que Portugal deve contribuir empenhadamente para que a saída do RU ocorra de forma construtiva, sem pressões de tempo e sem espírito de retaliação.

Portugal deve pugnar para que a UE não contribua para incentivar a fragmentação de EM.

Portugal deve atribuir a maior importância à manutenção da confiança dos investidores privados na sua trajectória de reformas que permitam simultaneamente reduzir o défice orçamental e estimular o crescimento.

Portugal deve ainda iniciar, sem demora, a estruturação de parcerias económicas, financeiras e de investimento com alguns Estados, suas regiões e empresas, com economias prósperas e inovadoras, na Europa e fora dela.

Fernando Bello

Francisco Seixas da Costa

João Costa Pinto

João Ferreira do Amaral

João Salgueiro

José Manuel Félix Ribeiro

Júlio Castro Caldas

Miguel Lobo Antunes

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