Fiasco de Boris Johnson na cimeira do G7 "minou a credibilidade" britânica

Alinhou sem reservas na reviravolta de Washington em relação à Síria, mas parceiros europeus rejeitaram o seu plano para novas sanções à Rússia.

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O chefe da diplomacia francesa Jean-Marc Ayrault (à esq.) diz que só o homólogo britânico falou em sanções Max Rossi/Reuters

Terá sido Boris Johnson vítima da rápida pirueta da Administração de Donald Trump sobre a guerra na Síria ou o fiasco da cimeira do G7 é simplesmente resultado da acção inábil de um político que nunca pareceu talhado para as tarefas da diplomacia? O certo é que depois de os restantes países terem rejeitado sem rodeios a sua proposta para o reforço de sanções à Rússia, o ministro dos Negócios Estrangeiros britânico foi acusado de ter minado a credibilidade da política externa de Londres, forçando Downing Street a assegurar que ele tem o total apoio da primeira-ministra.

É longa a história de gaffes de Johnson, o que apenas tornou mais surpreendente a decisão de Theresa May de o nomear para um dos mais delicados cargos de um governo que tem como principal missão negociar a saída do Reino Unido da União Europeia – e o agora ministro tinha sido o principal rosto da campanha pelo “Brexit”. Uma tendência que não perdeu com as novas funções, mas nenhum outro percalço tinha tido este impacto. “Como raio é que Boris se pôs nesta situação? Ele devia saber de antemão as reservas da Alemanha e dos outros”, escreveu no Twitter o antigo embaixador britânico em Washington, Christopher Meyer. “Isto foi feito por impulso, sem qualquer trabalho preparatório”, disse uma fonte do Governo ao jornal Telegraph, sublinhando que com a sua actuação o ministro “diminuiu inquestionavelmente a sua posição – e a do Reino Unido – no palco internacional.

Tudo começou sábado quando Johnson cancelou a visita a Moscovo, prevista para esta segunda-feira, alegando que o ataque químico em Idlib “alterou de forma fundamental a situação”. Ao invés de uma reunião com o homólogo russo, Sergei Lavrov, a primeira entre os chefes da diplomacia dos dois países desde 2012, o ministro anunciava que a sua “prioridade” era conseguir uma resposta coesa do G7 (os países mais industrializados) aos crimes atribuídos a Assad.

Chegou à cimeira munido com um plano, que diz o jornal Guardian, teve o aval de Rex Tillerson, o secretário de Estado norte-americano que se encarregaria de o levar a Moscovo: ou a Rússia se distanciava do regime sírio, ou o fórum aprovaria novas sanções contra o país, incluindo contra as suas chefias militares.

A resposta negativa dos outros países, a começar pelos europeus, não poderia ter sido mais contundente. Nas 30 páginas do comunicado final da cimeira não há qualquer menção a sanções que o chefe da diplomacia francesa, Jean-Marc Ayrault, assegurou “não terem sido mencionadas por mais ninguém a não ser Boris Johnson”. Itália repetiu que apoia apenas as sanções que foram aprovadas após a anexação russa da Crimeia, em 2014, e a Alemanha insistiu que “apesar de não agradar a toda a gente” só trazendo a Rússia para a mesa das negociações será possível pôr fim à guerra na Síria.

John McDonnell, número dois dos trabalhistas, acusou Johnson de “envergonhar” o país e “minar a sua credibilidade” internacional. Tim Farron, o líder dos liberais-democratas – que já o tinha acusado de ser o “cachorrinho de Trump” ao cancelar a ida a Moscovo, alinhando sem reservas ao lado da retórica bélica de Washington – diz que ele foi humilhado. Nos corredores do governo, até os menos críticos afirmam que ele deveria saber à partida que nem Berlim nem Roma aceitariam mexer nas sanções a Putin. Mas o porta-voz da primeira-ministra garantiu que May, de férias no País de Gales, ficou satisfeita por o G7 ter defendido de forma unânime que não há lugar para Assad no futuro da Síria – uma posição que, até à semana passada, a Administração Trump não partilhava.

Mas se a mudança agrada a Londres, a actuação de Johnson nada fez para cumprir os desígnios de May que ainda em Fevereiro, recém-regressada de Washington e prestes a pôr o “Brexit” em marcha, propunha servir e de ponte entre a Administração Trump e os parceiros europeus. A cimeira de Lucca, escreveu o colunista do Guardian Martin Kettle, mostrou Johnson “isolado em relação aos ministros mais cautelosos do G7”, “aqueles que ainda olham para a Administração Trump como um aliado incerto de instintos caprichosos”.

E pelo caminho, Johnson destruiu as pontes que ainda restavam entre Londres e Moscovo. “Não temos qualquer credibilidade com os russos e nenhuma credibilidade adicional no palco mundial depois deste G7”, admitiu ao Telegraph uma fonte do executivo, assegurando que depois de ter adiado por três vezes a ida a Moscovo “ele agora é persona non grata na Rússia”.

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