Benisson Seraphin, atrasado mental, chefe de família

Em Lacou Boss Nènè só as casas melhores é que caíram. As barracas, mal ou bem, lá se aguentaram. São elásticas por natureza, preparadas para o pior. As que sofreram foi porque os prédios de betão lhes caíram em cima. Como o de Coicienne St Jean, de 84 anos, que de sólido só tinha a aparência. Esfarelou-se em cima das barracas, ferindo várias crianças. Coicienne, uma mulher de rosto cinzento embrulhado em dreadlocks brancas, uma cabeça enorme para o seu corpinho de menina, vivia naquela casa com o filho, Benisson, a neta, Nerlande, e três bisnetos. Um deles, de sete anos, morreu no sismo.

Nerlande, de 27 anos, estava a cozinhar no andar de baixo. Quando o bairro começou a abanar, ela tentou subir a escada de madeira, para salvar o filho. Mas a escada, de madeira, partiu-se. Ela feriu-se numa perna, acabou por fugir e, quando foi depois buscar Geffrey, ele estava quase morto. Alguém o levou para um hospital, onde sucumbiu pouco depois. Nerlande nunca chegou a saber onde o sepultaram.

Lacou Boss Nènè é um bairro de barracas de madeira, propriedade do tio de Ivan, um homem abastado mas que, de tão modesto, não quer dizer o nome, que empresta o espaço a famílias pobres, sem lhes cobrar dinheiro. Ivan é uma autoridade no bairro. Vai lá regularmente para se assegurar de que tudo corre bem. Como a sua casa foi destruída, agora vive lá também, com a mulher e a filha, numa barraca que foi abandonada depois do sismo. Num terreiro entre várias filas de casebres, dormem agora dezenas de desalojados do terramoto. Ao contrário de outros campos improvisados, ou mesmo de outros bairros antigos da cidade, aqui não há lixeiras gigantes, com porcos a chafurdar nos detritos.

Ninguém da família alguma vez trabalhou. Quando, em Port au Prince, se pergunta a uma pessoa pela sua profissão, a resposta é quase sempre uma gargalhada, embora não estejam propriamente a rir. "No Haiti ninguém trabalha. Não há empregos. Não conheço ninguém que tenha um", diz Ivan.

Não é bem assim. Na família de Coicienne, há um homem que sustenta toda a gente. Benisson Seraphin, de 34 anos, é mudo e tem um atraso mental. "Ele é o chefe de família!", diz Ivan, abraçando-o. "Tomou conta da mãe toda a sua vida. Tenho um imenso orgulho nele".

Os vários filhos de Coicienne foram abandonando Lacou Boss Nènè à medida que arranjaram expedientes que lhes permitiram mudar de vida. Nenhum se lembrou de vir ajudar a mãe, a sobrinha com os seus filhos, ou o irmão doente mental. Só Benisson não abandonou a família. E arranjou um trabalho: tornou-se responsável pelo lixo do bairro. Desde há anos, a pedido do tio de Ivan, recolhe os dejectos, organiza a lixeira geral, limpa as ruelas entre as barracas. Com esse serviço, recebe esmolas com que sustenta a mãe e a sobrinha. Conseguiram até comprar a casa, ao fundo do bairro. A casa que agora caiu. "Se estou aqui, é porque houve um milagre!", diz Coicienne, exaltada.

À pergunta pelo seu marido, traduzida por Ivan, a encarquilhada Coicienne desata a abanar a cabeça, com uma expressão humilhada. Ivan começa a explicar que ela nunca teve marido, apesar dos muitos filhos, mas é nesse momento que Benisson se agarra à mãe, soltando uma espécie de grunhidos angustiados, apontando para ele e para ela, como quem diz: "Sou eu o seu marido. Sou eu".

Ivan tenta acalmá-lo. Bate-lhe nas costas. "Sim, Benisson, nós sabemos. Ela tem-te a ti".

Agora vivem todos debaixo de um cobertor esticado com um arame. Não têm comida nem água, nem roupa, nem uma cama, nem medicamentos para curar os ferimentos de Nerlande. Mas vê-se que se sentem seguros. Benisson, o atrasado mental, o homem do lixo, está com eles.

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