Ban Ki-moon foi a Lesbos criticar a estratégia europeia para os refugiados: “A detenção não é a resposta”

Secretário-geral da ONU alinhou com as organizações humanitárias que condenam o acordo com a Turquia. "O mundo tem a riqueza, a capacidade e o dever de estar à altura do desafio”, disse.

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Todas as pessoas que desembarcam em Lesbos são hoje detidas em centros sobrelotados. ANGELOS TZORTZINIS/AFP

O secretário-geral das Nações Unidas criticou o pacto europeu para a contenção do fluxo de refugiados durante uma visita este sábado à ilha de Lesbos, na Grécia, onde centenas de milhares de pessoas desembarcaram nos últimos dois anos para procurar asilo nos países do Norte da Europa, mas onde hoje, graças ao acordo com a Turquia, os recém-chegados são automaticamente enviados para centros de detenção sobrelotados.

“A detenção não é a resposta: deve acabar imediatamente”, disse Ban Ki-moon, recordando que, em média, todos os meses morrem 450 pessoas no Mediterrâneo — “o equivalente a dois aviões intercontinentais cheios”, sublinhou. “Vamos trabalhar em conjunto para acolhermos mais pessoas, atribuir vias legais e integrar melhor os refugiados. Reconheço as dificuldades. Mas o mundo tem a riqueza, a capacidade e o dever de estar à altura do desafio”, disse.

Durante a manhã, em Atenas, numa conferência de imprensa com o primeiro-ministro grego, o secretário-geral deixou um alerta à comunidade internacional, dizendo que é preciso fazer mais para ajudar a Grécia a lidar com o fluxo de pessoas e cuidar dos quase 50 mil requerentes de asilo no país, muitos deles retidos pelo fecho da fronteira com a Macedónia e em graves condições humanitárias. Quase 8500 estão em limbo legal, combatendo uma possível deportação para a Turquia.

“A Grécia não deve ser deixada para enfrentar a sós este desafio”, afirmou, ao lado de Alexis Tsipras, que lhe ofereceu um colete salva-vidas. “Devemos trabalhar em conjunto de maneira a proteger as pessoas e lidar com as causas da sua deslocação. Insisto em pedir uma melhor repartição das responsabilidades na Europa e até no mundo."

A visita do secretário-geral das Nações Unidas a Lesbos dá-se apenas um dia depois de a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras ter anunciado que vai recusar dezenas de milhões de euros em fundos europeus como protesto contra o acordo de devolução de refugiados à Turquia. “Mais uma vez, o principal objectivo da Europa não é o de dar a melhor protecção possível às pessoas, mas sim o método mais eficiente de as manter longe”, argumentou o secretário-geral dos Médicos Sem Fronteiras, Jerome Oberreit.

O acordo entre a União Europeia e a Turquia pretende devolver praticamente todos os imigrantes ilegais, requerentes de asilo e refugiados sírios chegados à Grécia depois do dia 20 de Março, sinalizando o fecho da rota pelo Egeu e desencorajando novas viagens para a Europa. A estratégia implica que todas as pessoas que desembarquem nas ilhas gregas sejam enviadas para centros de detenção, hoje sobrelotados, sem condições humanitárias e onde já vários requerentes de asilo se tentaram suicidar.

Todos têm o direito de pedir asilo na Grécia, mas a esperança de Bruxelas é que os tribunais recusem protecção pelo menos a cidadãos sírios, a única nacionalidade não europeia a quem a Turquia se dispõe a dar um estatuto equivalente ao de um refugiado. Isto apesar de todos os relatos de decisões de asilo ilegais, maus-tratos, tortura e expulsões da Turquia, e até de homicídios de soldados turcos na fronteira com a Síria.

“Os líderes europeus deviam olhar para o chão em vergonha só pelo facto de ser precisa uma visita de Ban [Ki-moon à Grécia]”, escrevia a Amnistia Internacional na quinta-feira, antecipando a viagem do secretário-geral da ONU: “Isto diz muito dos defeitos trágicos do acordo de migração da UE e Turquia, assinado com grande pompa há três meses.”

Os líderes europeus regozijam-se com a queda abrupta no número de novas chegadas à Grécia — antes do fecho da rota do Egeu, desembarcavam quase 1500 pessoas por dia em ilhas gregas como Lesbos; hoje, o número não ultrapassa os 50. Mas a redução de travessias deve-se também ao encerramento da fronteira com a Macedónia e a uma grande operação de combate ao tráfico humano do lado turco.

De resto, o próprio acordo enfrenta obstáculos que lhe podem ser fatais, como, por exemplo, o recente impasse diplomático entre Bruxelas e Ancara sobre a lei antiterrorismo da Turquia, que o Presidente Recep Tayyip Erdogan parece pouco disposto a alterar, e que está a impedir que a UE possa liberalizar as viagens para cidadãos turcos no espaço europeu.

Enquanto não avançam as contrapartidas — ou até parte dos 6000 milhões de euros que Bruxelas prometeu em assistência humanitária —, os ferries devem continuar parados. Só 562 pessoas foram até agora transferidas da Grécia para a Turquia depois de 20 de Março, na sua maioria imigrantes paquistaneses. No que diz respeito aos refugiados sírios — a Europa deve receber uma pessoa por cada que reenvie — só 31 fizeram a viagem de regresso à Turquia. 

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