Áustria despede-se da experiência Haider

A direita e a esquerda estão empatadas nas sondagens. O FPOe de Joerg Haider e os Verdes estão em queda mas estes últimos poderão ter ainda uma palavra a dizer sobre o novo Governo de Viena.

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"Jamais houve tanto suspense em torno de uma campanha eleitoral", comentava o "Die Presse" Miguel Madeira/PÚBLICO

Quase seis milhões de eleitores indigitam hoje na Áustria os 183 membros do Conselho Nacional. Não existe memória, desde o final da Segunda Guerra, de uma campanha eleitoral para as legislativas austríacas tão mobilizadora a nível interno, seguida com tal acuidade extra-fronteiras e simultaneamente tão despojada de conteúdo político-programático.

"Jamais houve tanto suspense em torno de uma campanha eleitoral", comentava o "Die Presse", fazendo eco do sentimento nacional. O partido democrata-cristão, OeVP, do chanceler Wolfgang Schuessel e o partido social-democrata, SPOe, liderado por Alfred Gusenbauer, igualam-se nas sondagens, em torno da marca dos quarenta por cento de votos sem que ninguém se atreva a prever qual das duas formações sairá vencedora da noite eleitoral.

O terceiro e quarto lugares são disputados pelos Verdes e pelo partido de direita populista FPOe (que deverá perder mais de metade dos 26,9 por cento conquistados em 1999), ambos registando intenções de voto de cerca de 10 por cento. Face a esta corrida ombro a ombro dos "grandes", aos "pequenos" caberá o papel de fazedores de reis, isto é, serão eles quem determinará se o próximo chanceler austríaco se chama Schuessel ou Gusenbauer.

Assunto dominante durante a campanha - centrada nas duas figuras de proa, e que se desenrolou essencialmente na televisão e na Internet - foram as especulações relativas à "cor" da próxima coligação governamental em Viena. Existem várias constelações possíveis. As tidas como mais prováveis são: a reedição da "grande coligação" entre SPOe e OeVP - hipótese preferida pelos eleitores austríacos e que recolheria uma maioria de dois terços no Conselho Nacional - liderada por um conservador ou um social-democrata, uma aliança (controversa) entre SPOe e Verdes ou, em ultimo caso, um governo minoritário chefiado por Wolfgang Schüssel. Aritmeticamente possíveis, mas tidas como impraticáveis, são uma aliança entre conservadores e ecologistas ou a recapitulação da experiência "negro-azul" a coligação entre OeVP e FPOe.

Balanço "magro " de três anos de governação

Depois de quase três anos de "governo de mudança" - de coligação entre o OeVP e o FPOe, experiência que atemorizou os parceiros comunitários -, interrompidos abruptamente pelas manobras de bastidores do Governador da Caríntia, Joerg Haider, a pergunta pertinente que os austríacos se colocam é se realmente se verificou uma "mudança".

A resposta é clara: não. Diagnóstico que é ao mesmo tempo tranquilizador e decepcionante. Tranquilizador porque a democracia austríaca, apesar da participação no Governo de um partido xenófobo, nacionalista e eurocéptico, se mostrou sólida e ancorada nos valores comuns europeus, nomeadamente os do humanismo e da tolerância. Decepcionante, porque a por muitos ambicionada renovação do sistema político austríaco, tornado bafiento e clientelista por décadas de monopólio político de alianças entre sociais-democratas e conservadores, não teve lugar.

O governo "negro-azul", liderado pelo chanceler democrata-cristão Wolfgang Schuessel, não levou a bom porto as prometidas reformas estruturais - em particular a reforma fiscal, da administração pública, e do sistema de saúde - "limitando-se", na expressão dos seus detractores, a reduzir de forma radical o défice público, recorrendo a aumentos de impostos. Não obstante as críticas, Schuessel, o ambicioso " homem do erro histórico" (como o apelidou o ministro dos Negócios Estrangeiros alemão, Joschka Fischer), pode fazer gala de uma situação económica claramente melhor que muitos dos seus parceiros da União Europeia.

Outra ponto a favor do chanceler é o facto de, em tempo de cortes orçamentais e pacotes de austeridade, o governo posto de quarentena sobre a suspeita de "fascista", ter aprovado o acordo para indemnização dos trabalhadores forçados e dos bens arianizados sob o regime nazi. O humilhante órgão de monitorização da UE instalado em Viena para avaliar a robustez democrática da coligação, também não registou crimes motivados "racialmente" nem uma "deterioração da situação dos imigrantes".

As páginas da maioria dos jornais da república alpina espelham a desilusão motivada pela passagem pelo poder do FPOe. O diário "Die Presse" recorda que na altura da entrada da direita populista para o Governo, em 1999, "a euforia da mudança e as sanções dos vizinhos europeus, permitiam esquecer o risco do implosão do FPOe". Depois de três anos de ostracismo europeu uma sondagem revela que a melhoria da imagem da Áustria no exterior é considerada como uma das prioridades pelos eleitores. O "Salzburger Zeitung" chega mesmo ao ponto de afirmar que "após a experiência da coligação com a participação da extrema-direita a Áustria está isolada na Europa. Não temos amigos, nem parceiros."

Qualquer que seja o desfecho deste sufrágio, não se tratará de uma escolha entre o mau e o péssimo, como em 1999, mas essencialmente a opção entre OeVP e SPOe, ou a opção entre "grande coligação" e "vermelho-vermelho". Os austríacos podem-se considerar como vencedores.

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