Auschwitz, ontem e hoje

O racismo anti-semita tem um recrudescimento assustador. Quase um quarto dos alemães tem uma opinião negativa dos judeus.. Hoje, 24% dos norte-americanos e 30% dos cidadãos da União Europeia consideram que os judeus possuem demasiado poder na economia.

O aniversário da libertação do campo de concentração de Auschwitz decorreu há dias, em 27 de Janeiro, o que confere oportunidade a uma nota sobre a forma como a sociedade humana lida, ainda hoje, com ditadores sanguinários e com a intolerância genocida, neste caso concreto focalizada essencialmente no anti-semitismo.

Quando se visita Auschwitz produzem-se sensações estranhas. O local é extremamente calmo e, apesar do aspeto de um conjunto de edifícios abandonados numa pacata zona rural, é difícil imaginar que, há apenas algumas décadas, em cada palmo de chão que  pisamos milhares de outros pés se moviam diariamente, num universo de terror que nos parece ficção.

Num compartimento que mais parece uma garagem nada de anormal se vê. Mas no teto existem umas minúsculas aberturas por onde alguém vertia um granulado que depois, em contacto com a humidade, gerava um gás mortal. Contudo, quando esses grânulos eram lançados por tais aberturas no compartimento não estávamos nós. Estava um conjunto compacto de pessoas em pânico, incluindo muitas crianças, que minutos antes tinham sido obrigadas a despir-se num edifício próximo. No exato local onde temos os pés milhões de pessoas antes de nós tiveram os delas. Foi olhando aquelas mesmas paredes que pela última vez outros milhões de seres humanos antes de nós viram as últimas imagens em vida.

Os fornos crematórios ficam próximos, a apenas alguns metros da messe dos oficiais do campo, onde estes comiam descontraidamente enquanto crianças eram queimadas do outro lado de um pequeno arruamento em terra batida.

Em Auschwitz-Birkenau não foram mortos apenas judeus, mas essencialmente estes. Só neste campo de concentração, entre muitos outros, foram humilhados, mortos e queimados seis milhões de seres humanos. Em determinada fase alcançou-se o triste recorde de 24 mil pessoas mortas e queimadas por dia.

Mas, para além do horror de milhões de pessoas que foram mortas exatamente nos locais em que nos encontramos, assusta pensar que o que aconteceu aqui continua e continuará a suceder a níveis semelhantes de barbarismo. Por um lado, porque a natureza humana sempre gerará indivíduos com uma mentalidade sádica e sanguinária. Por outro lado, porque quando tais bárbaros conseguem o poder e o usam para provocar sofrimento deste tipo o mundo continua repleto de políticos e de cidadãos que, de um modo repugnantemente passivo, viram a cara para além dos discursos que, esses sim, são facílimos.

Hitler foi um criminoso. Pinochet também o foi. Mas também o foram os que não fizeram o que era possível para os parar. Na mesma Europa de Auschwitz, mais tarde outros massacraram no genocídio da Bósnia, durante três anos e meio em que os políticos europeus e mundiais, com a coluna vertebral que se lhes conhece, se incensavam ao falar elegantemente sob os holofotes da imprensa. A criminosa demissão de outros responsáveis permitiria o genocídio por Pol Pot e o genocídio no Rwanda, cujos horrores a comunidade internacional não teve a coragem de parar.

Hitler foi um produto dos europeus mas foi derrubado por outros que vieram de longe, basicamente os soviéticos e os norte-americanos.

Outros “Hitlers” existiram e continuarão a existir enquanto cruzarmos os braços ou obstaculizarmos quem, mesmo não sendo perfeito, se empenha em derrubá-los. Porque, entretanto, centenas de milhar ou milhões de seres humanos são torturados e chacinados, crianças e mulheres são violadas e assassinadas, filhas, irmãs e mulheres de pessoas como nós, mas que um mundo de pseudo-intelectuais trata como um assunto de tertúlia, sem coragem para os libertar.

Atualmente o racismo anti-semita apresenta um recrudescimento assustador. Quase um quarto dos alemães tem uma opinião negativa dos judeus. Hitler era obcecado com o poder global dos judeus. Hoje, 24% dos americanos e 30% dos cidadãos da União Europeia consideram que os judeus possuem demasiado poder na economia. Desde 2000 aumentaram os ataques racistas e em particular os ataques anti-semitas na Europa, em especial na Alemanha, em França, na Bélgica, no Reino Unido e na Holanda, com agressões físicas a judeus, destruição de cemitérios e profanação repugnante de campas, atentados à bomba e destruição por fogo de sinagogas e escolas judaicas.

O exemplo do racismo anti-semita, que em Portugal alguns tentam disfarçar de ideologia política, é apenas um caso entre outros. Bósnia, Rwanda, Sudão, Chile, Cambodja e Congo também são exemplos da intolerância brutal e assassina que uns criminosos perpetram enquanto outros criminosos permitem que actuem quando têm possibilidade de os parar.

Auschwitz é um exemplo de horror. Mas é também uma lembrança de que, entretanto, algo igualmente brutal e sanguinário pode repetir-se, como, infelizmente, voltará a repetir-se, enquanto não tivermos coragem de parar este tipo de criminosos em massa e de, assim, preservarmos seres humanos de um pavor inimaginável.

Outros, não europeus ocidentais, de facto fizeram muito para libertar este continente. Para chegar a Auschwitz e outros campos de morte, soviéticos e norte-americanos não andaram em passeio. Lutaram e morreram por isso. Se não o tivessem feito alguém imagina bem o que poderia ser a Europa de hoje? O Holocausto que conhecemos teria sido apenas o começo. Hoje seria…

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