Até os adversários de Lula acham exagerado o pedido de prisão preventiva

Num país dividido entre os anti-PT e os pró-PT as críticas ao pedido de detenção do ex-Presidente brasileiro são generalizadas. “Parece uma coisa despropositada. Os argumentos são muito mais políticos do que jurídicos”.

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Para dpmingo estão previstas manifestações a favor e contra Lula e o seu Partido dos Trabalhadores NELSON ALMEIDA/AFP

É difícil avaliar o que causou maior surpresa na quinta-feira à noite: o pedido de prisão preventiva de um reverenciado ex-Presidente brasileiro ou o facto de até os seus críticos mais contundentes questionarem a medida, proposta pelo Ministério Público de São Paulo.

Juristas ouvidos pela imprensa brasileira e comentadores políticos consideram o pedido de prisão preventiva para Luiz Inácio Lula da Silva excessivo ou frágil na sua fundamentação. Mesmo o partido de oposição PSDB – cujo candidato, Aécio Neves, disputou com Dilma Rousseff as últimas e renhidas eleições presidenciais –, que tem defendido activamente o impeachment da actual Presidente e sucessora de Lula, declarou que “o pedido de prisão ainda na fase de inquérito de um ex-Presidente da República parece uma medida extrema”, nas palavras do seu líder no Senado, Cássio Cunha Lima. “Vivemos um momento incomum na vida nacional. É preciso ter prudência”, disse.

Colunistas que há uma semana aplaudiram a acção policial que surpreendeu Lula na sua própria casa às seis da manhã e o levou para ser interrogado sobre possíveis ligações com a teia de corrupção que existiu na companhia estatal Petrobras – que terá sido iniciada durante o seu governo – criticaram, desta vez, o pedido de prisão preventiva. “Parece uma coisa despropositada. Os argumentos são muito mais políticos do que jurídicos”, escreveu Merval Pereira, conhecido colunista do jornal diário O Globo. Outra publicação do poderoso grupo de comunicação Globo – que domina um espectro mediático frequentemente parcial e sentencioso –, a revista semanal Época aponta, num editorial, para a existência “de uma série de fragilidades no pedido de prisão preventiva feito pelos promotores”.

A prisão preventiva, como os próprios promotores do Ministério Público (MP) de São Paulo, referem no texto em que formalizam as suas acusações contra Lula, é uma medida com um carácter excepcional, que só deve ser aplicada “em situações de absoluta necessidade”. Segundo o Código de Processo Penal brasileiro, a prisão preventiva é um recurso legítimo para impedir o acusado de continuar a praticar crimes; para evitar que ele atrapalhe o andamento do processo, através da ameaça de testemunhas ou destruição de provas; em casos em que o risco de fuga do acusado é elevado.

Os promotores Cassio Conserino, José Carlos Blat e Fernando Henrique Araújo, que acusam Lula dos crimes de lavagem de dinheiro e de falsificação patrimonial relativos a um apartamento de luxo numa praia do litoral paulista, baseiam o seu pedido de prisão preventiva nas reacções que o ex-Presidente teve publicamente há uma semana, no dia 4, logo depois de ter sido interrogado durante três horas no âmbito da Operação Lava-Jato, que investiga a corrupção na Petrobras. Exaltado e combativo, Lula fez uma declaração para as televisões criticando severamente o poder judicial e os responsáveis da Lava-Jato, dizendo-se alvo de perseguição política. Para os promotores, Lula procurou “inflamar a população a voltar-se contra as investigações” de que é alvo e mobilizar a sua “rede violenta” de “apoiantes extremistas” que “promovem tumultos e confusões generalizadas, com agressões a outras pessoas” – referência a confrontos de rua recentes entre simpatizantes e opositores de Lula.

A revista Época critica a argumentação, notando que “o mero poder de Lula como ex-Presidente”  não deve ser “motivo para prendê-lo”. “Fazer discursos, por mais virulentos que sejam, não atrapalha o trabalho de investigação a ponto de exigir uma medida tão grave quanto uma prisão preventiva”, conclui o editorial.

O pedido de prisão preventiva vai ser analisado por uma juíza de São Paulo, a quem caberá aceitar ou rejeitá-lo, em data indeterminada. Lula ainda não se pronunciou publicamente sobre o mesmo. O processo em causa diz respeito a uma investigação estadual sobre crimes patrimoniais e não está relacionado com a Operação Lava-Jato, conduzida pelo Ministério Público Federal. Apesar de serem separadas, as duas investigações coincidem num ponto: ambas tentam apurar as suspeitas de que Lula é o real proprietário de um apartamento de luxo no Guarujá que lhe foi doado pela construtora OAS. A investigação da Lava-Jato procura verificar se o imóvel em questão foi uma “prenda” ilícita da construtora em troca da influência política de Lula e se foi custeada com dinheiro proveniente do esquema de corrupção da Petrobras.

Quando Lula foi levado sob escolta policial, por ordem do juiz à frente da Lava Jato, Sergio Moro, para prestar depoimentos, as opiniões dos juristas sobre a legitimidade dessa medida, dividiram-se. Não foi o que aconteceu, esta quinta-feira, com o pedido de prisão preventiva do MP paulista. O coro de críticas aparenta ser unânime, pelo menos até ao momento, o que fragiliza a posição dos promotores perante a opinião pública, alimentando uma tese que tem sido muito defendida por defensores do PT, o partido de Lula: a de que as autoridades judiciais brasileiras têm preferências político-partidárias contrárias e estão a perseguir deliberadamente o PT.

Que as críticas ao pedido de prisão preventiva sejam generalizadas também surpreende porque Lula, o PT e Dilma têm sido um divisor de águas muito extremados e inconciliáveis. Não existe centro: ou se é a favor ou se é contra, não obstante novos desenvolvimentos, mesmo os mais aparentemente fracturantes, como ver um ex-Presidente ser levado pela polícia para responder a perguntas relativas a um inquérito criminal. No dia 4 pareceu por uns instantes que a acção policial poderia mudar o jogo de forças e provocar o êxodo dos apoiantes de Lula. Mas na realidade o que parece ter acontecido foi uma maior radicalização das posições: quem é contra ficou mais contra, quem é a favor ficou mais a favor, como escreveu o editor da redacção da Folha de S. Paulo em Brasília, Igor Gielow.

Ninguém parece duvidar de que o ponto de ebulição está perigosamente próximo e que a manifestação nacional deste domingo, convocada desde Janeiro para protestar contra o governo de Dilma, corre o risco de gerar confrontos entre activistas anti-PT e pró-PT. 

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