Oposição síria lança ataque surpresa e volta a levar guerra ao centro de Damasco

“Isto significa que a luta continua e a oposição permanece poderosa”, diz o analista Joshua Landis. Aviação de Assad reagiu com intensos bombardeamentos nos arredores da capital.

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Um mercado no centro histórico de Damasco, a pouca distância das zonas atacadas pelos rebeldes Youssef Badawi/EPA

A aviação síria bombardeou bairros da área metropolitana de Damasco, em resposta ao ataque surpresa lançado na véspera pela oposição, que rompeu uma das linhas da frente em redor da capital e levou a guerra até quase ao centro da cidade, pela primeira vez desde 2012. O regime diz que já recuperou todas as posições perdidas, mas os rebeldes garantem que mantêm o controlo de pouco menos de metade das áreas que capturaram, numa zona industrial.

Numa prova de força que já ninguém esperava, diferentes grupos rebeldes e jihadistas lançaram o ataque a partir dos bairros de Qabun e de Jobar, na periferia da capital, por uns 2000 combatentes. O objectivo imediato seria tentar abrir uma via de acesso entre estas duas áreas, ambas controladas pela oposição e sob cerco do regime.

Numa segunda fase, a ideia seria conquistar uma estrada que permite chegar até Ghuta Oriental, uma área rural muito mais vasta, com pequenas cidades e vilas, igualmente cercada por grupos leais a Bashar al-Assad. Aqui, a ONU estima que estejam 70 mil civis com acesso a muito poucos alimentos e cuidados médicos – com esta via de acesso, os combatentes poderiam receber reforços e retirar, ao mesmo tempo, os civis que precisem de ajuda mais urgente.

Assad tem tentado conservar uma aparência de normalidade no interior de Damasco, enquanto as suas forças bombardeiam as zonas em redor da cidade que lhe escapam ao controlo. No domingo, durante algumas horas, não foi capaz.

A operação coordenada que juntou a facção ultraconservadora Ahrar al-Sham, o Comité de Libertação do Levante (coligação de várias unidades liderada pelo ex-ramo da Al-Qaeda na Síria) e o grupo Failaq al-Rahman (ligado ao Exército Livre da Síria), envolveu vários ataques suicidas e carros armadilhados. Enquanto estes se faziam explodir e as viaturas eram detonadas, outros combatentes usavam tuneis subterrâneos para se infiltrarem em zonas controladas pelo regime.

Pela primeira vez desde 2012, quando o Exército Livre conseguiu colocar bombas dentro do edifício da Segurança Nacional (principal agência de serviços secretos síria), matando dois ministros (Defesa e Interior) e alguns dos principais comandantes militares de Assad, a oposição regressou à zona da Praça dos Abássidas, a uns meros dois quilómetros da Cidade Velha de Damasco.

Habitantes do centro da capital descreveram à Associated Press como as paredes das suas casas abanaram com o impacto das explosões e disparos de artilharia, ao mesmo tempo que viam cair rockets. Em resposta, o regime enviou tanques e começou a bombardear Jobar e também Ghuta – a Al-Jazira diz que foram mortos pelo menos 15 civis em bairros residenciais.

“Os confrontos são difíceis e não conseguimos progredir face à ferocidade dos bombardeamentos, que não se limitam à linha da frente. Em retaliação, o regime tem atacado cidades e vilas em Ghuta Oriental”, disse à Reuters Wael Alwan, porta-voz do Failaq al-Rahman.

Segundo o Observatório dos Direitos Humanos Sírio, ONG ligada à oposição com uma rede de activistas e médicos no terreno, a aviação síria (os membros da ONG não conseguem confirmar o envolvimento russo) lançou mais de 500 ataques de aviação e artilharia contra Jobar e Qabun.

“Ainda podemos provocar danos, pelo que o melhor que tens a fazer é sentar-te e negociar”. É assim que o analista Nawar Olivier, perito militar do Centro de Estudos Omran, de Istambul, resume a mensagem contida no ataque de domingo. “Esta batalha deu-nos esperança, podemos enfrentar a máquina militar do regime”, concorda Alwan, o porta-voz rebelde. “Conseguimos voltar a ter algum equilíbrio de forças, deixámos de estar só a defendermo-nos”.

Aniversário e Genebra

Para alguns analistas, a escolha deste fim-de-semana para lançar o ataque contra Damasco prende-se com o aniversário da revolução síria (que para alguns se assinalou a 15 de Março, para outros no dia 18, dias de grandes manifestações, em 2011, primeiro em Deraa, no Sul, depois na própria capital). Para outros, é uma tentativa para influenciar a nova ronda de negociações organizada pelas Nações Unidas, que deverá começar na quinta-feira, em Genebra.

A segunda opção é a escolhida pelo Governo. Para Bashar al-Jaafari, chefe da delegação do regime às conversações, “os últimos ataques terroristas em Damasco e noutras zonas da Síria visam pressionar o Governo antes de Genebra”.

O regime parece ter sido apanhado desprevenido por estar concentrado noutras zonas do país. “Eles só têm uns 18 mil homens disponíveis e estão a ser pressionados pelos russos e iranianos para irem combater por Raqqa”, a cidade do Norte do país que os jihadistas do Daesh declararam como sua capital, diz à CNN Andrew Tabler, investigador do Washington Institute for Near East Policy.

Certo é que Assad “vai perceber que não pode permitir que estas duas áreas [Jobar e Qabun] se juntem”, diz à Al-Jazira o veterano especialista em Síria Joshua Landis. A partir daí, defende, estes grupos “poderiam lançar novas incursões” em Damasco. Landis acredita que o regime vai deslocar forças de áreas como Homs e Hama para reforçar a protecção de Damasco. “Isto significa que a luta continua, há muitas frentes nesta guerra, e a oposição permanece poderosa”.

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