As primeiras consequências económicas do "Brexit"

Imobiliário, comércio, emprego, libra: duas semanas depois da decisão histórica dos britânicos de abandonarem a União Europeia, os sinais do impacte económico desta opção começam a materializar-se.

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Apesar da época de saldos ter começado, os britânicos não estão a comprar Leon Neil/AFP

Começou o pânico no imobiliário

O "Brexit" não demorou muito tempo a afectar fortemente este sector fundamental da economia britânica, em pleno "boom" nos últimos anos. Incapazes de responder aos pedidos dos investidores desejosos de recuperar os seus investimentos, quatro fundos da Standard Life, da Aviva Investors, da Henderson Global Investors e da M&G Investments, que geram um total de nove mil milhões de libras de activos no imobiliário comercial (escritórios, lojas...), decidiram encerrar temporariamente. Um sinal inquietante e um fenómeno que não se via desde a crise de 2008. A consequência disto foi a queda na bolsa de Londres, nos últimos dias, dos valores imobiliários e os grupos financeiros expostos ao imobiliário.

Mas além da bolsa e destas operações financeiras complexas, é todo o sector da construção que está afectado. No primeiro indicador público para Junho, o mês do referendo de dia 23, o índice PMI (índice industrial) da construção contraiu pela primeira vez desde meados de 2013 e a um ritmo que não se registava desde 2009, depois do crash imobiliário provocado pela crise financeira.

Os britânicos abandonaram as lojas

Em pleno período de saldos, os britânicos estão a deixar os armazéns desertos. Segundo os números publicados pelo Springboard, o número de pessoas que procuram as "high streets" (grandes artérias comerciais) caiu 11% no dia 29 de Junho, por comparação com o mesmo dia do ano anterior. "As pessoas deixaram de dar atenção às compras e estão agora preocupadas com a incerteza quanto ao futuro", diz Diane Wehrle, da Springboard.

No resto do sector dos serviços, que é preponderante na economia britânica, os primeiros sinais são negativos. O índice PMI do sector, publicado na terça-feira, mostra um abrandamento em Junho e várias empresas adiaram ou anularam algumas ordens devido a incerteza gerada pelo "Brexit". Mesmo que o período estudado cubra sobretudo os dias depois da votação, o abrandamento pode, segundo o gabinete Markit que publica o índice, dar origem a um golpe no crescimento de 0,2 pontos percentuais no segundo trimestre contra 0,4 pontos do primeiro.

Emprego em quebra

Em plena forma nos últimos anos — com as últimas estatísticas oficiais a mostrarem 5% de desemprego em Abril, o valor mais baixo dos últimos 11 anos —, o mercado do emprego começa a ressentir-se. Nos serviços, a taxa de contratações em Junho foram as mais baixas em três anos, segundo a Markit. Mais preocupante, segundo a CEB Talent Neuron, o número de ofertas de emprego publicadas no país depois da votação (período de 23 de Junho a 4 de Julho) quase foi reduzido para metade, 817.376 contra 1,466 milhões na semana anterior.

Queda da libra

No seu nível mais baixo face ao dólar em 31 anos, a libra afundou quase 15% (em relação ao dólar) depois do "Brexit". Enquanto os primeiros sinais prováveis de uma subida da inflação por via do aumento do preço de produtos comprados no estrangeiro não se materializam, a queda da libra já tem um impacto concreto na vida dos britânicos que estão de partida de férias para Espanha ou França e que já viram os seus orçamentos fortemente amputados. A consequência é semelhante para os muitos compatriotas instalados no Sul da Europa.

As empresas exportadoras, por seu lado, tiram vantagens desta baixa do valor da moeda britânica, uma vez que os seus produtos se tornam mais competitivos no lado de cá do Canal da Mancha. Mas a incerteza sobre a forma como será feito o acesso ao mercado único inquieta, nomeadamente o sector automóvel, que produz no Reino Unido mais de 1,5 milhões de veículos por ano, a sua maioria para exportar para o resto da Europa. Este sector já começou a pagar a conta desta incerteza, registando, em Junho, uma baixa de registo de matrículas de 0,8 pontos percentuais, a primeira baixa desde Outubro do ano passado.

Degradação do rating do Reino Unido

O "Brexit" provocou a degradação do rating do Reino Unido — na Standard and Poor’s passou de AAA para AA; na Fitch de AA+ para AA; a Moody’s, a terceira grande agência de notação, para já ameaçou baixar.

Apesar deste duro golpe, as taxas de empréstimo do país baixaram, com os investidores a evitarem a volatibilidade da bolsa e do mercado de câmbios, voltando-se para o refúgio que o mercado de obrigações representa. Na terça-feira, na primeira emissão de dívida de Estado efectuada depois do "Brexit", a taxa a cinco anos britânicas estavam historicamente baixas.

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