As contradições do projecto europeu

A cada dia que passa há mais cidadãos e cidadãs que se sentem excluídos dos processos de decisão nas matérias que decidem as suas vidas.

Churchill referiu-o, mas não estava nas intenções dos fundadores do “projeto europeu”, liderado por Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer, então dominadas pela preocupação de criar um espaço de interesses comuns entre países que se tinham confrontado nas Guerras do século XX, para assegurar a manutenção da paz. Mas a partir do momento em que o processo de integração se foi consolidando, por intermédio da constituição do Mercado Único e do abatimento das restrições ao comércio e à livre circulação de fatores produtivos, o modelo da grande nação americana foi-se insinuando e a tentação para construir uma espécie de Estados Unidos da Europa apareceu.

Este é o primeiro grande equívoco do projeto europeu, porque por trás da busca de eficiência económica que a plena integração parece sugerir, está a desenvolver-se um caminho centralizador liderado pela Alemanha e outros países centrais que esmaga os interesses dos países da periferia. E se os estados do Sul da nação americana foram submetidos aos objetivos da Unificação por intermédio da Guerra Civil, não se vislumbra que algo semelhante possa vir a acontecer no futuro do continente europeu. Por um motivo simples: o mosaico de nações e povos europeus tem muitos séculos de existência, de identidade e de enraizamento social e cultural que nunca se diluirão duradouramente.

Os Estados Unidos da América é um país recente, povoado por contingentes de emigrantes europeus, que se ergueu criando uma nova identidade e instituições destinadas a regular de forma pragmática uma realidade económica, política e social muito dinâmica. Em particular, na sua génese, o processo de conquista da “fronteira” gerou um mecanismo virtuoso de expansão do mercado interno, que estimulou sustentadamente o investimento e o crescimento económico. O contraste não pode ser maior com o que se passou ao longo da história do continente europeu, marcada pela fratura persistente e pelo afrontamento entre agrupamentos de nações.

Tudo isto se torna mais evidente quando a União Europeia adota procedimentos que acentuam desigualdades, ou quando persiste na falta de legitimação democrática de algumas das suas regras e instituições, como aconteceu com o Euro, o Pacto de Estabilidade e Crescimento ou o Tratado Orçamental. A cada dia que passa há mais cidadãos e cidadãs que se sentem excluídos dos processos de decisão nas matérias que decidem as suas vidas e que questionam os fundamentos deste esquema comandado pelo diretório de países mais ricos.

Na sua fase ascensional de popularidade estas contradições não se fizeram sentir, mas a partir do momento em que a austeridade, o desemprego ou a recessão somados a práticas de chantagem e arbítrio com a Grécia e outros países entraram em cena, tudo mudou. A cada dia que passa a União Europeia perde apoiantes, como se viu com o “Brexit”, e em vez de corrigir os erros, ela revela pavor perante a legitimação popular das suas decisões. Em Portugal, o episódio mais recente é a ameaça de sanções por procedimento de défice excessivo nas contas públicas da governação de Passos Coelho, fiel executante das políticas da Troika.

Quem recusa perentoriamente consultar a opinião pública sobre temas relevantes, porque nesta ocasião se favoreceriam nacionalistas e xenófobos, está a cavar a sepultura da própria União Europeia, acentuando o divórcio das instituições em relação à cidadania. Não há projeto democrático que resista à autossuficiência. O último grande exemplo desta evidência foi-nos dado pelo desmoronamento da União Soviética, quando aqueles mesmos populistas e xenófobos se apoderaram da luta pela democracia para a domesticarem. É o que se perfila no horizonte, agora no cenário europeu, se aquele trajeto não for invertido.

Professor da Universidade de Coimbra

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