Aos vencedores, a inveja

Os vencedores do golpe parlamentar no Brasil não fazem a mais pálida ideia do que fazer com a vitória.

Os vencedores mais avisados do golpe parlamentar no Brasil já devem, por estas horas, invejar Dilma Rousseff. Invejam-lhe a serenidade com que se defendeu no Senado Federal, a firmeza com que expôs os seus argumentos, o respeito que ganhou no Brasil e mundo fora pela distinção que há entre ela e os seus grotescos adversários no Congresso.

Daqui a muito pouco tempo terão mais razões para invejá-la. Sejamos francos: os vencedores do golpe parlamentar no Brasil não fazem a mais pálida ideia do que fazer com a vitória. Sabiam que queriam afastar Dilma. Votaram em conformidade. Mas no segundo voto, para decidir se lhe retirariam os direitos políticos, já se dividiram inconclusivamente. Alguns senadores dos muitos indiciados pela lava-jato terão temido pelos seus próprios direitos políticos. Mas deixaram pelo caminho um enorme buraco na narrativa dos “crimes de responsabilidade” que teriam justificado a destituição: se não há crime que justifique a retirada dos direitos políticos, é porque há golpe. A mesma  desorientação estratégica contaminará a batalha jurídica que agora se inicia no Supremo.

Entretanto, Michel Temer voou para a China e deixou na Presidência da República um político do partido sucessor da antiga ARENA que apoiou a ditadura militar, Rodrigo Maia, um homem que não teve sequer três por cento na eleição para prefeito do Rio de Janeiro. No avião presidencial, Michel Temer terá tempo para pensar. Como conter a divisão que se adivinha nas suas hostes? Como conter a ira dos brasileiros a quem for cortando os programas sociais? O que fará quando o choque económico que prometeu não chegar? E o que fará quando os seus dois anos na presidência se forem esgotando até se iniciar o seu processo de ineligibilidade por oito anos, pelos seus próprios crimes (ao contrário dos de Dilma) dados como provados? Até onde ir? Ilegalizar o PT e arriscar mais ainda a fúria dos 54 milhões de votos espoliados? Mandar a polícia contra os manifestantes? Decretar o estado de emergência? Ou mostrar tolerância e dar uma imagem de fraco perante os seus aliados de dente afiado?

E aí Michel Temer invejará Dilma: a consciência tranquila e o lugar na história, a batalha perdida mas honrosa e a coesão dos apoios que lhe restaram. Ao seu lado, Temer terá réus que desejam salvar a pele, cúmplices que lhe desejam tomar a sua, e favores a pagar a toda a gente. Temer, enfim, temerá.

No seu romance Quincas Borba, o grande Machado de Assis inventou uma batalha entre duas tribos por um campo de batatas insuficiente para alimentar toda a gente. A tribo que ganhasse teria acesso a outro campo com mais batatas, numa montanha mais acima. Dessa história o protagonista extraía a sua filosofia de vida: ao vencedor, as batatas!

Essa é a filosofia dos vencedores do golpe parlamentar. As batatas são os cargos públicos, que dão acesso a mais batatas, depositadas (como fez Eduardo Cunha) nas altas montanhas da Suíça: dinheiro. A única coisa que unia a tribo de Michel Temer era salvar os seus cargos públicos ameaçados pela Lava-Jato. Agora querem mais batatas.

Terão, provavelmente, muitas batatas. Uma congestão de batatas. E invejarão aqueles a quem não dói a barriga.

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