Amnistia acusa Sudão de ataques químicos "indescritíveis" em Darfur

Organização acusa forças governamentais por pelo menos 30 ataques ocorridos desde Janeiro. Cartum diz que acusações são "totalmente infundadas".

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A guerra em Darfur provocou já mais de 300 mil mortos e 2,5 milhões de deslocados AFP

A Amnistia Internacional acusa as forças governamentais do Sudão de terem lançado pelo menos 30 ataques com agentes químicos desde o início do ano contra aldeias da região do Darfur. A organização calcula que pelo menos 200 pessoas tenham morrido nestes ataques, já negados pelo Governo sudanês.

“A escala e a brutalidade destes ataques são difíceis de descrever em palavras”, disse Tirana Hassan, responsável da Amnistia pela investigação de crises. “As imagens e os vídeos que vimos durante a nossa investigação são realmente chocantes; num deles uma criança grita com dores antes de morrer; muitas fotografias mostram crianças muito pequenas cobertas de lesões e bolhas. Algumas são incapazes de respirar outras vomitam sangue.”

A organização, como todas as associações de defesa dos direitos humanos, grupos humanitários ou jornalistas, não consegue entrar no Darfur, uma região desértica do tamanho de França onde em 2003 tribos locais se revoltaram contra o governo árabe de Cartum. A contra-insurreição do Exército e das milícias armadas pelo Governo para combater os rebeldes foi violenta ao ponto de, em 2009, o Tribunal Penal Internacional ter emitido mandados de captura contra o Presidente sudanês, Omar al-Bashir, por crimes de guerra e genocídio – a primeira acusação da instância contra um chefe de Estado em exercício, ainda hoje à espera de ser cumprida.

O conflito, que segundo a ONU provocou 300 mil mortos e mais de 2,5 milhões de deslocados, perdeu intensidade nos últimos anos, desaparecendo do noticiário internacional. E já este mês, Bashir anunciou solenemente o regresso da paz à região, onde desde 2007está estacionada uma missão conjunta da ONU e da União Africana.

Mas a Amnistia assegura que o Exército lançou em Janeiro uma grande ofensiva na zona de Jebel Marra contra uma das facções da rebelião que acusava de atacar colunas militares e alvos civis. Os investigadores da organização reuniram 367 nomes de civis, incluindo 95 crianças, que sobreviventes e trabalhadores de ONG locais garantem ter sido mortas por forças governamentais desde o início do ano. Analisaram também imagens de satélite revelando que 171 aldeias da região foram atacadas, algumas delas arrasadas. Há relatos de ataques aéreos indiscriminados, de torturas e assassínios e também de crianças que morreram à fome ou por falta de assistência médica. Mas as atrocidades terão ido ainda mais longe.

Partindo do testemunho de 200 sobreviventes e de imagens dos ferimentos nos corpos das vítimas, a Amnistia diz ter reunido “provas do uso repetido do que se acredita serem armas químicas contra civis”. Terão sido pelo menos 30 ataques, o mais recente a 9 de Setembro. “Entre 200 a 250 pessoas terão morrido em resultado da exposição aos agentes químicos, muitos deles, ou a maioria, eram crianças.”

A organização explica que os indícios recolhidos foram mostrados dois peritos independentes e “ambos concluíram que sugerem claramente que houve exposição a agentes vesicantes [produtos químicos que se entrarem em contacto com a pele e as mucosas produzem irritação e bolhas] tais como o gás mostarda, lewisita ou mostarda de nitrogenada”. O relatório é acompanhado por fotografias chocantes, algumas mostrando corpos de crianças queimados ou cobertos de bolhas em carne viva, e de testemunhos que contam como os habitantes adoeceram depois de terem sido expostos ao fumo largado pelas bombas.

O embaixador sudanês na ONU, Omer Dahab Fadl Mohamed, garantiu que o relatório é “totalmente infundado” e sublinhou que o Sudão, signatário desde 1999 da Convenção sobre Armas Químicas, não possui estes agentes. “O objectivo desta acusação louca é lançar a confusão no processo destinado a aprofundar a paz e a estabilidade” no Darfur, afirmou.

A Amnistia responde que o uso de armas químicas “representa não só um novo mínimo no catálogo de crimes cometidos ao abrigo da lei internacional pelos militares sudaneses contra civis, mas também um novo nível da presunção do Governo em relação à comunidade internacional” que sucessivamente tem assistido impassível aos crimes em Darfur. “Esta região tem sido atingida por um ciclo catastrófico de violência há mais de 13 anos e nada mudou, excepto o facto de que o mundo deixou de olhar”, lamentou Hassan.

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