Agora, Bruxelas tem que decidir o que quer fazer da construção europeia

Nos próximos dias, os dirigentes europeus, que nos últimos meses não brilharam no esforço de encontrarem soluções para as sucessivas crises, devem entender-se sobre o rumo a seguir.

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Eric Vidal/AFP

Nas últimas semanas, os responsáveis europeus tentaram banir o termo "Brexit" do vocabulário oficial, esquivando-se ao debate mais sensível sobre a saída ou não do Reino Unido.

Mas nos bastidores, o tema está em todas as agendas. Qualquer que tenha sido o resultado do voto dos britânicos, partir ou ficar, a União Europeia deverá certamente dar início a mudanças de uma amplitude inédita de forma a reencontrar o seu caminho.

Um divórcio entre o Reino Unido e a UE, o primeiro do género, desferiria um novo golpe a uma União já enfraquecida devido à crise migratória, o mau estado da sua economia e a ameaça crescente do terrorismo.

Se o país tiver decidido ficar, o statu quo nunca poderia ser uma opção viável, pois os temas da campanha do referendo britânico tiveram eco no Velho Continente que perdeu a confiança na utopia europeia do pós-guerra.

"Será insensato para nós ignorarmos um sinal de alarme como este", advertiu o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk.

Nos dias que se seguirem ao referendo, os dirigentes europeus, que nos últimos meses não brilharam no esforço de encontrarem soluções para as sucessivas crises, devem entender-se sobre o rumo a seguir.

Mas mesmo que o sentimento de que é preciso uma mudança seja consensual, "se olharmos para os pormenores práticos, deparamo-nos depressa com as dificuldades", diz Chris Bickerton, professor da Universidade de Cambridge e autor do livro A União Europeia: um guia para cidadãos.

"É bem possível que, por reflexo, as instituições comunitárias respondam com um ‘regreso ao trabalho, regresso à normalidade’", diz Vivien Pertusot, analista do Instituto de Relações Internacionais francês sediada em Bruxelas.

O Presidente francês, François Hollande, prometeu na quarta-feira que serão tomadas iniciativa "aconteça o que acontecer" para fazer avançar a construção europeia.

Prevê-se uma iniciativa da dupla franco-alemã, que poderá incluir elementos de uma Europa "a duas velocidades", ou limitar-se à política externa, dado que os dois países têm opiniões divergentes sobre a integração da zona euro.

"Os franceses e os alemães vão anunciar uma iniciativa conjunta mas vão limitar-se à segurança e à defesa. Seria demasiado difícil tentarem entender-se rapidamente sobre a economia", relatou um alto responsável da zona euro, sob condição de anonimato.

Se o seu país se mantiver na UE, o primeiro-ministro David Cameron já avisou que exigirá mais reformas sobre a liberdade de circulação, para além das linhas de tolerância que já negociou em Fevereiro, num acordo com os restantes 27 chefes de Governo da EU.

"Não penso que as reformas vão parar após 23 de Junho. A voz dos que pedem reformas será reforçada depois de termos realizado o referendo", declarou Cameron numa entrevista ao Guardian. O campo do "partir" garante, por seu lado, poder negociar novos acordos comerciais vantajosos com a UE.

"Os políticos britânicos e os eleitores britânicos devem saber que não haverá nenhuma nova negociação" com o Reino Unido, insistiu na quarta-feira Juncker.

Espiral negativa

O que muitas capitais europeias temem, seja qual for o resultado do referendo britânico, é que se multipliquem os apelos à realização de referendos.

Na extrema-direita francesa, Marine Le Pen já anunciou o seu desejo de que "cada país" possa fazer uma votação popular sobre a participação na União Europeia. O mesmo desejo expressaram já os eurocépticos dinamarqueses, holandeses e suecos.

Uma votação britânica a favor da saída da UE teria o efeito de um tremor de terra. Não seria o "golpe fatal", explica o professor Bickerton, mas dado o papel central da UE na vida política europeia, poderia ser o anúncio de uma alteração fundamental que conduzisse a uma união menos integrada. "Não me parece que desaparecesse subitamente mas sim a longo prazo. Poderíamos ver um declínio progressivo e qualquer outra coisa emergiria em seu lugar", avança.

"A UE encontra-se numa espiral negativa, e estamos apenas a entrar na cota negativa", observa Janis Emmanouilidis, do Centro de Política Europeia, um think tank com sede em Bruxelas. "Mesmo que o resultado do referendo britânico seja a favor da permanência na UE, isso não alterará o clima geral", prevê.

 

 

 

 

 

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