Acordo do clima está em vigor, países são chamados a fazer mais

Nações Unidas avisam que compromissos já assumidos pelos países não vão travar subida da temperatura. Possível eleição de Trump ensombra conferência que começa segunda-feira em Marrocos

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Para celebrar a entrada em vigor do acordo com o nome da cidade, Paris iluminou-se de verde Patrick Kovarik/AFP

O mundo celebrou nesta sexta-feira a entrada em vigor do acordo climático de Paris, apenas 11 meses depois de quase 200 países terem assumido o inédito compromisso de fazer todo o possível (e o que agora parece impossível) para limitar o aumento da temperatura no planeta a 2 graus Celsius. Começa agora a parte difícil da missão — garantir que o que foi acordado será concretizado —, sabendo-se à partida que, se não se for mais longe nos compromissos já assumidos, não será possível atingir as metas definidas.

O balde de água fria foi despejado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente na quinta-feira, a quatro dias da cimeira que juntará em Marraquexe delegações dos países signatários (COP22) para começar a laboriosa definição das regras comuns de aplicação do acordo. No seu relatório, a agência concluiu que as promessas já feitas pelos países para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa levarão a que, em 2030, sejam libertadas para a atmosfera 12 a 14 mil milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) acima do limite máximo para que não haja alterações climáticas perigosas.

E mesmo que os Estados vão mais longe e assumam as reduções globais propostas no acordo, as emissões previstas para 2030 podem levar a que a temperatura média aumente, ainda assim, entre 2,9 a 3,4 graus até ao final do século.

“Se não começarmos já a assumir acções adicionais, a começar pela conferência de Marraquexe, iremos chorar uma tragédia humana que poderia ter sido evitada”, avisou o director da agência da ONU, Erik Solheim.

É também de urgência que falam Patricia Espinosa, responsável da ONU para as alterações climáticas, e Salaheddine Mezouar, o chefe da diplomacia marroquina e anfitrião da COP22, no comunicado em que celebram a entrada em vigor do acordo de Paris. “Dentro em breve — obrigatoriamente nos próximos 15 anos — precisamos de concretizar uma redução sem precedentes nas emissões de gases com efeito de estufa e esforços sem paralelo para construir sociedade capazes de resistir aos impactos das alterações climáticas”, afirmam.

Poucos acreditam que nas próximas duas semanas, o tempo que demorará a conferência, um grupo significativo de países vá além do que já prometeu. Até porque, avisam economistas e ambientalistas, as metas já assumidas implicam mudanças difíceis (e muito caras) para transformar uma economia dependente do petróleo num mundo dominado pelas as energias renováveis.

E quase tudo está por fazer. Dos 197 que assinaram o acordo, só 97 já o ratificaram, ainda que entre eles estejam os dois maiores poluidores mundiais, EUA e China. Poucos governos começaram já a avaliar as mudanças que terão de impor às empresas, às famílias, à indústria para cumprir as metas de redução das emissões. E o consumo de petróleo continua a aumentar, impulsionado pelo sector automóvel — ao New York Times, Fatih Birol, director da Agência Internacional de Energia, explicou que a procura vai continuar a aumentar, mesmo que nos próximos 20 anos os carros eléctricos representem metade das vendas mundiais.

Como se não bastasse, no horizonte dos próximos dias estão as eleições americanas e uma possível vitória de Donald Trump, o candidato republicano para quem o aquecimento global é uma “fraude” inventada pela China e que promete renegar o acordo de Paris. Uma saída que, em teoria, não o anularia, mas tornaria as metas mais irrealizáveis. “Se ele insistir em fazer as coisas à sua maneira, pagará um preço alto, tanto política como diplomaticamente”, avisou Zou Ji, responsável chinês para as alterações climáticas, num segundo e pouco habitual comentário de Pequim às eleições americanas em menos de uma semana.

Apesar dos obstáculos, os anfitriões da COP22 insistem que a rapidez com que o acordo entrou em vigor mostra que, nunca como agora, houve tantos governos a reconhecer a urgência de uma acção. O protocolo de Quioto, ainda em vigor, demorou quase oito anos a sair do papel.      

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