A semana ainda vai a meio, mas na Casa Branca cheira a Massacre de Sábado à Noite

Trump tem humilhado o seu procurador-geral em público. Depois de ter demitido o director do FBI, está a empurrar Jeff Sessions, trazendo à memória um episódio que marcou o escândalo Watergate.

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Donald Trump ao lado do procurador-geral, Jeff Sessions SHAWN THEW/EPA

O curto mês de Fevereiro estava mesmo a chegar ao fim, no ano passado, e o então candidato Donald Trump apresentava ao mundo o seu primeiro apoiante de peso, um "grande homem" em quem pensava sempre que falava sobre "imigração, imigração ilegal e tudo o resto". Depois de uma apresentação cheia de suspense, Trump anunciou o nome do homem-mistério à multidão que o recebeu numa pequena cidade do Alabama – era, nada mais, nada menos, do que um dos mais queridos senadores de sempre naquele estado, Jefferson Beauregard Sessions III, mais conhecido como Jeff Sessions.

Nesse dia, Trump e Sessions não fizeram mais do que despejar elogios, um em cima do outro, assinalando logo ali o início de uma relação tão próxima que o então senador nem sequer deu sinais de vacilar sempre que o então candidato era tratado pelos opositores como uma anedota com pernas.

Durante os meses que se seguiram – desde a conturbada mas bem-sucedida campanha até à transição para a Casa Branca –, Jeff Sessions foi uma sombra que acompanhou Donald Trump para todo o lado, só perdendo um pouco de notoriedade pública por causa da presença mais colorida do governador Chris Christie. Foi o principal conselheiro do candidato e do Presidente eleito Donald Trump sobre imigração, e o seu nome chegou a ser apontado à vice-presidência – mas Trump acabou por escolher o governador Mike Pence para esse papel, e deu a Jeff Sessions um dos cargos mais poderosos do Governo americano: attorney general, um cargo que só existiria em Portugal se o ministro da Justiça também fosse procurador-geral da república.

O romance entre Donald Trump e Jeff Sessions era tão forte que o ex-senador do Alabama servia – e ainda serve – de barómetro para despedimentos na Casa Branca: se o Presidente despedir o seu procurador-geral, é porque ninguém está a salvo. A não ser, talvez, os seus filhos e o seu genro.

O problema é que esse romance começou a dar sinais de ruptura em Março deste ano, quando Jeff Sessions, sob pressão dos media e do Partido Democrata, anunciou que iria afastar-se da investigação sobre as suspeitas de conluio entre a campanha de Donald Trump e o Governo russo. Como procurador-geral, era ele o máximo responsável por essa investigação criminal do FBI – um papel que ficou ferido de morte quando foi noticiado que Jeff Sessions se tinha reunido pelo menos duas vezes com o então embaixador da Rússia em Washington, Sergei Kisliak, depois de ter dito no Senado, sob juramento, que não se tinha reunido com nenhum responsável russo durante a campanha para as presidenciais.

Sessions ainda tentou argumentar que tinha respondido a uma pergunta específica sobre reuniões com vista a manipular a campanha eleitoral, mas o mal estava feito – ficou sem condições para supervisionar uma investigação em que ele próprio poderia vir a ser investigado. Depois da renúncia de Sessions e de o Presidente ter despedido o director do FBI, James Comey, a investigação foi parar ao colo do procurador-geral adjunto, Rod Rosenstein. E o que foi que ele fez? Nomeou um investigador especial, Robert Mueller, para liderar a investigação sobre a Rússia – o que deixou Trump à beira de um ataque de nervos.

Humilhação em público

Desde então, o Presidente norte-americano foi dando indicações de que a relação com o seu procurador-geral já viu melhores dias, mas nada fazia prever o brutal ataque que Donald Trump lançou contra Jeff Sessions nos últimos dias: na semana passada, numa entrevista ao The New York Times, disse que se soubesse que Sessions iria afastar-se da investigação, não o teria nomeado procurador-geral; e no início desta semana já apedrejou várias vezes o seu antigo fiel escudeiro através do Twitter.

"O procurador-geral Jeff Sessions tem mantido uma posição MUITO fraca em relação aos crimes cometidos por Hillary Clinton (onde estão os e-mails e o servidor do Partido Democrata) e às fugas de informação!", exclamou Trump esta terça-feira, sugerindo um regresso a uma promessa de campanha que afastou assim que venceu as eleições: a promessa de que iria nomear um investigador especial para acusar Hillary Clinton por causa dos milhares de e-mails que a candidata do Partido Democrata apagou do seu servidor pessoal e das alegações de que outros e-mails que ela enviou e recebeu enquanto secretária de Estado comprometiam a segurança nacional. O então director do FBI, James Comey, disse que Hillary Clinton tinha sido "extremamente descuidada ao tratar informação confidencial", mas não recomendou uma acusação formal ao Departamento de Justiça por considerar que não havia indícios de uma acção propositada para pôr em causa a segurança nacional.

Entre segunda-feira e terça-feira, Donald Trump também perguntou a Jeff Sessions, através do Twitter, "onde está a investigação" a uma outra suspeita, sobre "tentativas da Ucrânia para sabotar a campanha de Trump e beneficiar Clinton"; e porque não está o procurador-geral a investigar "os crimes da Desonesta Hillary e da ligação dela à Rússia".

Se esta humilhação pública por parte do Presidente norte-americano é uma forma de levar o procurador-geral a demitir-se, ou se Trump vai acabar por empurrar Sessions porta fora, é uma questão que acaba por ser secundária – o que está em causa é qual será a reacção do público americano se o procurador-geral sair depois de se ter instalado a ideia de que o Presidente ficou furioso com ele por causa da investigação sobre a Rússia.

Depois de ter ficado a ideia de que Trump despediu James Comey porque ele estava a ser incómodo no papel de director do FBI, uma saída do procurador-geral porque ele se afastou da investigação reforçaria ainda mais a sensação de que Donald Trump tem alguma coisa a esconder sobre as suspeitas de conluio com a Rússia – ainda que não seja verdade, é expectável que muitos americanos, todos os seus opositores e até alguns membros do Partido Republicano fiquem ainda mais desconfiados.

Recordar o escândalo Watergate

Esta humilhação pública de Jeff Sessions já levou alguns analistas a fazerem o seguinte raciocínio: depois de ter despedido James Comey, Trump quer ver-se livre de Jeff Sessions para depois nomear um procurador-geral que lhe garanta total lealdade – nesse caso, esse novo procurador-geral poderia despedir o investigador especial Robert Mueller e enterrar toda a história sobre a Rússia. Se for essa a intenção, Donald Trump terá dois grandes problemas pela frente.

Em primeiro lugar, para que tudo corra bem, o Presidente terá de nomear um novo procurador-geral durante a suspensão dos trabalhos do Congresso, em Agosto – desta forma, o nome escolhido por Trump não teria de ser confirmado pelo Senado e poderia ficar à frente do Departamento de Justiça, com plenos poderes, até ao final de 2018. Só que uma nomeação desta forma, no actual contexto, iria prejudicar ainda mais a imagem do Presidente, e uma nomeação tradicional, com um nome de créditos reconhecidos, não seria uma garantia de lealdade total.

Em segundo lugar, no momento em que Jeff Sessions se demitir ou for demitido, os jornais e as televisões norte-americanos vão transformar-se num gigantesco canal memória, com o calendário parado no dia 20 de Outubro de 1973, num acontecimento que ficou conhecido como Massacre de Sábado à Noite: na noite desse sábado, o procurador-geral e o procurador-geral adjunto apresentaram a demissão, depois de se terem recusado a cumprir uma ordem do Presidente Richard Nixon para despedirem o homem que investigava o escândalo Watergate; Nixon ainda conseguiu sobreviver politicamente por uns meses, mas ficou tão ferido que acabou por resignar em Agosto de 1974, perante uma mais do que certa destituição no Congresso.

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