A retórica da violência terrorista

Enquanto mantivermos uma postura de medo, facilitismo intelectual e nos recusarmos em ver quais as verdadeiras razões de uma violência feita por europeus que falam a nossa língua, não seremos capazes de travar esta ameaça de uma forma efectiva.

A violência em nome do jihadismo voltou a acontecer na Europa. Três indivíduos atropelaram várias pessoas e, munidos de facas, atacaram indiscriminadamente quem estava no mercado de Borough. Houve sete mortos. Conjugando o tipo de acção com os alvos, convido agora o leitor a uma breve análise sobre o impacto retórico deste tipo de acto. A linguagem do terrorismo continua a desarmar-nos.

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Tenhamos em conta dois elementos. O primeiro será a aleatoriedade da violência, que prova a nossa total vulnerabilidade. Qualquer um de nós poderia estar naquele sábado a caminhar na London Bridge. O segundo, tem a ver com a pouca sofisticação do ataque. Confirmou-se assim que não são necessários muitos artefactos para lançar o terror e fazer passar a mensagem. Desta forma o nosso quotidiano passou estar ainda mais condicionado. Ou seja, a aleatoriedade conjugada com o facilitismo operacional potencia o efeito persuasivo da acção terrorista: ninguém está a salvo e a causa permanece viva e global.  Estes dois elementos levam-nos a agora pôr em perspectiva a função retórica da violência no terrorismo jihadista.

Funções da violência

A essência do terrorismo será sempre a violência e o inesperado. De um modo imediato, busca um sentimento de insegurança que é desproporcionado aos danos causados directamente pela destruição, corroendo a relação de confiança que garante coesão social. Aqui a violência cumpre uma dupla função: destrutiva e simbólica. A primeira, física, procura a destruição efectiva do inimigo. Pune-o e fere-o na sua hybris de intocabilidade. Isto é conseguido pelo baixo risco de execução e porque é impossível combinar a trilogia “quando, como e onde”.

Simbolicamente, a violência assenta em dois pontos: multiplica os reais efeitos da acção e reforça a narrativa. A contenção de um atentado é quebrada na relação simbiótica do terrorismo com os media. Um atentado é potenciado nas intermináveis horas de transmissão.  Ao assistirmos – em repetição ou em streaming – também nos tornamos vítimas. Estamos lá. Assim, o raio de acção da violência vai para além de Londres, Manchester, Paris ou Bruxelas. É global e permanente, gerando uma forte carga emotiva. A violência passa assim a assumir a forma de uma meta-linguagem persuasiva que condiciona o nosso quotidiano.

A violência também reforça a dimensão propagandística. Demonstra-se a vitalidade do movimento, passa-se a mensagem ideológica e favorece-se o recrutamento. Mas a propaganda pela violência também potencia a capacidade operacional do movimento, que pode ser replicada na ausência de uma cadeia de comando.

Efeito retórico

A retórica, sabe-se, é arte de encontrar os melhores meios de persuasão em cada caso. A violência terrorista é uma fórmula altamente eficaz de persuasão, cujo impacto varia de caso para caso – na Europa é um, no resto de mundo é outro, basta lembrar a atenção mediática que é prestada a outras realidades onde há atentados jihadistas de significativa dimensão.

Perante este tipo de violência – que persuade a um estado de terror e leva à adesão de jovens europeus – começámos a ficar desprovidos de uma capacidade de linguagem que nos permita perceber a ameaça. Nós podemos perder esta batalha retórica. Ficámos sem reposta. Há uma lamentável maestria retórica na violência jihadista que tornou a nossa linguagem fraca e ineficaz, prendendo-nos a pequenos debates que não tocam as verdadeiras causas deste problema.

Fomos assim empurrados para o raciocínio fácil e de eficácia política imediata, em que a coesão social é mantida expiando o mal num grupo social de determinada identidade étnica ou religiosa. Deixámos os jihadistas controlar os termos do nosso debate público. Estamos mais preocupados em proteger ideias e gerir efeitos, que lidar com as causas de problemas que nos são profundamente internos. Je suis Charlie já não chega.

Nota final

Assumimos um pânico social e político diante de um inimigo que convenientemente concebemos como demasiado bárbaro para contemplar e para entender. Ao recusarmo-nos nomear de uma forma clara e distinta o tipo de conflito que estamos a viver, não emergimos do nosso pânico linguístico e nunca assumiremos o controlo da realidade. Basta ver que, por um lado os governos afirmam estar em guerra com o DAESH; e por outro, parecem não conseguir traduzir estas palavras em acção. Enquanto mantivermos uma postura de medo, facilitismo intelectual e nos recusarmos em ver quais as verdadeiras razões de uma violência feita por europeus que falam a nossa língua, não seremos capazes de travar esta ameaça de uma forma efectiva.

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