A questão europeia

Os britânicos estão dispostos a pagar um alto preço para recuperar a sua soberania.

A questão britânica está fechada: uma maioria clara votou a favor da saída do Reino Unido da União Europeia e confirmou que os britânicos estão dispostos a pagar um alto preço para recuperar a sua soberania.

Mas o mesmo voto britânico abriu a questão europeia. Desde logo, criou uma situação sem precedentes em que um Estado-membro decide separar-se da União Europeia. Por outro lado, a saída de uma das três grandes potências regionais desfaz os equilíbrios internos na União Europeia, onde a Alemanha, contra a sua vontade, passa a ser hegemónica. Por último, a retirada do Reino Unido, uma das cinco maiores potências na hierarquia internacional, não só deixa a União Europeia mais fraca, como compromete a sobrevivência de uma União Europeia atlanticista, um parceiro indispensável dos Estados Unidos.

Simultaneamente, o voto britânico confirmou o sentido da crise aberta há 11 anos pelo voto francês no referendum que chumbou o Tratado Constitucional da União Europeia: o dia 23 de Junho de 2016 pode ser o momento de viragem em que as dinâmicas de fragmentação prevalecem sobre o processo de integração europeia.

Todas as condições estão reunidas para uma crise existencial da União Europeia. A crise do Euro permanece latente, a crise dos refugiados revelou a vulnerabilidade de uma Europa sem fronteiras externas, a ascensão dos populismos anti-europeus pode pôr em causa a governabilidade da França, da Espanha e da Polónia. Paralelamente, a Rússia cercou as democracias europeias com um “arco de crises” que se estende do Báltico à Crimeia e à Síria, sem que a União Europeia consiga demonstrar a sua capacidade para garantir a segurança regional.

A convergência dessas múltiplas crises pode transformar-se numa catástrofe se for acompanhada por um processo hostil e descontrolado de separação entre a União Europeia e a Grã-Bretanha.

É indispensável não ceder à tentação de marginalizar a Grã-Bretanha - como parece ser o caso com a convocação de uma cimeira inédita entre a Chanceler alemã, o Presidente francês e o Primeiro-Ministro italiano sem o Primeiro-Ministro britânico, assim como de um Conselho Europeu sem o Reino Unido. No mesmo sentido, é preciso evitar um “salto em frente” para uma core Europe donde seriam certamente excluidos parte dos membros da “Eurozona”. Pelo contrário, é preciso reconhecer que a Grã-Bretanha é um aliado indispensável da NATO, parte integrante da comunidade das democracias europeias e traduzir essa posição num processo de concertação diplomática que sustente um futuro comum.

A questão europeia está aberta: o cenário mais provável é um longo período de instabilidade política e de paralísia europeia sem que nenhuma das potências responsáveis consiga definir uma visão coerente e realista sobre a evolução da União Europeia. O primeiro passo para contrariar essa tendência devia ser assumir a máxima de Winston Churchill, para quem o pior de todos os erros políticos é ficar preso “a falsas esperanças que vão rapidamente ser varridas”.

* Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)

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