A pretexto da segurança, cada vez mais países violam os direitos humanos

Os ataques a activistas e advogados por parte de governos são uma das tendências preocupantes, diz a Amnistia Internacional no seu relatório anual. Em 2015, mais de 122 países torturaram ou sujeitaram pessoas a maus tratos.

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A Rússia de Vladimir Putin é um dos países muito criticados pela Amnistia Internacional NATALIA KOLESNIKOVA/AFP

[Os] nossos direitos estão em risco”, avisa a Amnistia Internacional. No seu relatório sobre o estado dos direitos humanos no mundo, a ONG fala numa “tendência assustadora e enganadora que está a minar os direitos humanos e que vem da parte de governos que deliberadamente atacam, negligenciam ou subfinanciam as instituições criadas para ajudar a proteger” esses mesmos direitos.

Há “um ataque global às liberdades” cometido em nome das ameaças à segurança, diz a AI. Em muitos países, como Angola, Rússia, Egipto, Arábia Saudita ou Tailândia, os governos “tomam como alvo e atacam activistas, advogados e outras pessoas que trabalham para defender os direitos humanos”. Ao todo, mais de 122 países torturam ou sujeitaram pessoas a maus tratos, ao mesmo tempo que 29 “forçaram ilegalmente refugiados a regressarem a países onde ficariam em perigo”.

“A forma precipitada como muitos países reagiram a ameaças à segurança nacional resultou no esmagamento da sociedade civil, do direito à privacidade e do direito à liberdade de expressão; e em tentativas descaradas para transformar os direitos humanos em palavras indecentes, pondo-as em oposição à segurança, à lei e ordem e aos ‘valores nacionais’”, considera o secretário-geral da organização, Salil Shetty. “Governos têm violado as suas próprias leis desta forma.”

Na Rússia, a pretexto de “leis antiextremismo vagamente formuladas”, o Governo “tenta silenciar a sociedade civil”, enquanto na Tailândia as autoridades militares alargaram os seus poderes “para silenciar a dissidência em nome da ‘segurança’”. Ao longo de 2015, o regime tailandês “condenou à prisão críticos pacíficos por actividades como peças de teatro, comentários no Facebook ou graffiti”.

A Arábia Saudita está em destaque pela “repressão e punição brutal dos que ousaram defender reformas ou criticar as autoridades”, mas também pelos crimes de guerra cometidos no Iémen, onde a monarquia lidera uma ofensiva de apoio ao Governo e bloqueou o lançamento de um inquérito da ONU às violações cometidas por todos os envolvidos. O Egipto merece realce “pela condenação à prisão de milhares de pessoas, incluindo críticos pacíficos, numa repressão implacável em nome da ‘segurança nacional’” e pela “detenção prolongada de centenas de pessoas sem formulação de acusações nem julgamento e condenação de centenas de outras à pena de morte”.

Em Angola, outros dos países destacados no relatório, “as forças de segurança usaram de força excessiva contra pessoas que criticaram o Governo, expuseram corrupção ou denunciaram violações de direitos humanos”. A AI dá como principal exemplo o caso dos 17 activistas, 15 dos quais passaram meses detidos (incluindo Luaty Beirão), acusados de “actos preparatórios de rebelião e conspiração contra o Presidente”, José Eduardo dos Santos, e a repressão que sofreram os que tentaram protestar contra este julgamento.

Como resultado destas acções, “o espaço para o exercício do direito à liberdade de expressão e associação e concentração pacífica diminuiu, com defensores dos direitos humanos e críticos do governo a serem presos e acusados criminalmente por um poder judicial cada vez mais politizado”, escreve a ONG.      

Noutros países, a consequência da reacção às ameaças de segurança é “o esmagamento do direito à privacidade” – a ONG refere “o recurso continuado à vigilância maciça” no Reino Unido. Dez ONG, incluindo a AI, recorreram ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos que considerou que a Lei de Armazenamento de Informação e Poderes de Investigação do país, em vigor desde 2014, “é ilegal à luz da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, violando o respeito à vida privada e à protecção de informação pessoal”.

“Não são só os nossos direitos que estão sob ameaça, mas também as leis e o sistema que os protegem. Mais de 70 anos de trabalho duro e progressos estão em risco”, diz Salil Shetty. Segundo a AI, as Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional e outros mecanismos de monitorização e garantia de direitos estão em crise, “debilitados por governos que tentam escapar-se à fiscalização do que estão a fazer nos seus países”.

A AI refere o conflito na Síria como “exemplo atroz das consequências que tem para as pessoas o fracasso da ONU no cumprimento do seu papel crucial” que é “fazer valer os direitos e a lei internacional e garantir a responsabilização” dos que cometem crimes de guerra e violações dos direitos humanos. A Rússia merece críticas também “pela vergonhosa recusa em reconhecer a morte de civis na Síria e pelas iniciativas para bloquear a acção do Conselho de Segurança” da ONU em relação a esta guerra.

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