A Presidente da Coreia do Sul está perto de cair. E agora?

Quase metade dos deputados do partido da Presidente apoiou processo de destituição. Constitucional tem seis meses para decidir se Park é afastada.

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Park pediu desculpas pelo "caos" em que o país mergulhou nas últimas semanas Reuters/STRINGER

Após várias semanas de uma crise política sem precedentes na Coreia do Sul, o Parlamento aprovou esta sexta-feira a abertura de um processo de destituição à Presidente, Park Geun-hye. O poder executivo passa agora para as mãos do primeiro-ministro, enquanto o Tribunal Constitucional tem seis meses para se pronunciar sobre o futuro da primeira mulher eleita Presidente na Coreia do Sul.

A abertura do processo de destituição recebeu o apoio de 234 deputados, num total de 300, superando largamente o limiar mínimo de dois terços necessário para que a iniciativa avançasse. Antes da sessão parlamentar a única dúvida que permanecia estava relacionada com o número de deputados do partido Saenuri, de Park, que iriam votar a favor da destituição. A votação sugere que quase metade da bancada do partido do poder se juntou à oposição.

Fora da Assembleia Nacional, grupos de pessoas festejavam as notícias da abertura do processo de destituição, enquanto cantavam vitória. Pouco depois da votação na Assembleia, Park desculpou-se pelo “caos” político em que o país mergulhou. “Lamento imenso ter criado o caos nacional pela minha negligência, numa altura em que o nosso país enfrenta tantas dificuldades, da economia à defesa nacional”, afirmou a Presidente num discurso transmitido pela televisão e citado pela AFP.

Apesar do pedido de desculpas, Park recusou afastar-se do cargo, prometendo colaborar com o processo do Tribunal Constitucional com uma “mente calma e clara”. É nas mãos dos nove juízes do tribunal que fica agora a decisão de afastar definitivamente a Presidente – é necessário o voto de pelo menos seis membros do painel para que a destituição avance.

Não é a primeira vez que é aberto um processo de destituição a um Presidente democraticamente eleito. Em 2004, o Parlamento aprovou o afastamento de Roh Moo-hyun, mas o contexto não podia ser mais diferente. As ruas mobilizaram-se contra o processo – movido contra o Presidente por este ter expressado apoio a um partido – e o Tribunal Constitucional acabou por revogar a destituição por considerar que a violação da lei eleitoral cometida por Roh não era suficiente para o remover do poder.

A pressão popular é agora de sentido contrário. Centenas de milhares de sul-coreanos têm saído às ruas todos os fins-de-semana desde que o escândalo com Park rebentou e nada menos que a sua demissão parece satisfazê-los. O Tribunal Constitucional tem uma inclinação conservadora que parece beneficiar Park. Dois dos juízes devem retirar-se durante os próximos três meses e é improvável que o primeiro-ministro interino os venha a substituir, o que pode jogar a favor da Presidente, dizem alguns analistas.

Caso o Constitucional decida avançar para uma destituição, devem ser marcadas novas eleições presidenciais nos dois meses seguintes. Neste cenário, Park perde a imunidade e passa a poder ser formalmente acusada.

A amiga Choi

No olho do furacão está a relação da Presidente com Choi Soon-il, amiga íntima de longa data, que está detida desde o final de Outubro acusada de enriquecimento ilícito. Os investigadores acreditam que Choi usou a sua proximidade junto de Park para assegurar financiamentos avultados de grandes empresas sul-coreanas que eram canalizados através de fundações por si geridas.

Mas numa sociedade em que a corrupção ao mais alto nível não é novidade, foram outros pormenores que mais chocaram. A influência de Choi sobre Park era tão grande que a Presidente lhe terá enviado esboços de discursos e procurado o seu aconselhamento para questões sensíveis, como as políticas em relação à Coreia do Norte.

Park fez tudo para evitar a abertura de um processo de destituição. Começou por demitir dois assessores que terão ajudado Choi; propôs mudanças na composição do Governo para estabelecer uma ponte com a oposição; pediu ao Parlamento para negociar uma saída antecipada e pediu desculpas públicas em três ocasiões. Nada resultou. Apenas viu a sua popularidade afundar-se na mesma proporção que as ruas de Seul se enchiam, semana após semana, com gente a pedir a sua demissão.

A última semana tornou a posição de Park ainda mais difícil. Em sessões transmitidas em directo pela televisão, o Parlamento recebeu várias testemunhas no caso de Choi – e, por arrasto, da Presidente – que incluíram alguns dos principais dirigentes das maiores empresas do país, como a Samsung, e que permitiram um raro vislumbre da promiscuidade entre o mundo dos grandes conglomerados (os chaebol) e a política. O presidente da Samsung, Lee Jae-yong, admitiu, por exemplo, que a empresa ofereceu um cavalo no valor de 850 mil dólares (804 mil euros) à filha de Choi, que segundo os investigadores serviu para assegurar o apoio político a uma fusão polémica – Lee recusou, porém, que as doações feitas pela Samsung tenham sido feitas tendo em vista uma contrapartida.

“É uma realidade sul-coreana que, se existe um pedido do Governo, é difícil às companhias recusarem”, afirmou noutra sessão o presidente do Grupo GS e dirigente da Federação Coreana das Indústrias, Huh Chang-soo.

Foi a sua imagem de personalidade incorruptível que ajudou Park – filha de um antigo ditador militar – a vencer as eleições de 2012. Os sul-coreanos olharam para esta mulher órfã desde há muito, sem marido nem filhos, e quase sem contacto com a família, como uma quebra numa infame tradição na política doméstica – todos os Presidentes da era democrática foram envolvidos em escândalos de favorecimento a familiares. Park prometeu que com ela tudo seria diferente.

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