A irritação chinesa com a Coreia do Norte sugere mudança de estratégia

Testes nucleares, lançamento de mísseis, assassínios. Xi Jinping que nunca confiou em Kim Jong-un, dá sinais de estar a esgotar a paciência.

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O líder norte-coreano, Kim Jong-un Reuters

A China e a Coreia do Norte estão tão ligadas que Mao Tsetung disse que eram tão próximas como “os lábios da boca”. A relação de proximidade teve vantagens e inconvenientes para ambos os lados, mas nos últimos anos Pequim tem acumulado dissabores. Tantos e tão incómodos, que começa a dar sinais de impaciência para com este aliado obrigatório.

Os constantes testes de mísseis balísticos e o assassínio do meio-irmão do líder norte-coreano na Malásia obrigaram Pequim a tomar decisões.

Cansado de ouvir dizer que tem que controlar Pyongyang, o Presidente chinês, Xi Jinping, mandou suspender, na semana passada, as importações de carvão norte-coreano até ao final de 2017. O comportamento de Kim Jong-un está a afectar os planos de Xi para incluir a China como parceiro normal no palco mundial e a decisão — uma espécie de sanção económica da parte de Pequim — é um recado para duas audiências.

Por um lado, quer avisar Kim Jong-un de que tem meios de o afectar, cortando as importações e reduzindo a entrada de dinheiro na Coreia do Norte. O envio de carvão para a China significa a entrada de mil milhões de dólares anualmente nos cofres de Pyongyang.

Por outro, dá sinais ao Ocidente (sobretudo os Estados Unidos, que juntamente com as Nações Unidas acusam a China de boicotar as medidas e sanções destinadas a controlar o programa nuclear norte-coreano) de que está pronto a rever a sua posição.

Xi Jinping, dizem os analistas que seguem a política chinesa na imprensa internacional, ficou profundamente desagradado com o assassínio de Kim Jong-nam, que a Malásia atribui desde o primeiro momento à Coreia do Norte. O meio-irmão de Kim Jong-un era um protegido da China, que vivia desde que se exilou, em 2011, entre Pequim e Macau. Antes da sua morte, outro “aliado” chinês na Coreia do Norte, Jang Song-taek, tio de Kim-Jong-un, tinha sido eliminado. Jang, que era uma voz de Pequim dentro do regime, defensor de reformas económicas que transformassem a paisagem do país, foi executado em 2013.

O assassínio de Kim Jong-nam aconteceu um dia depois de mais um teste de um míssil balístico norte-coreano. Caiu no mar do Japão, quando nos Estados Unidos o Presidente Donald Trump jantava com o primeiro-ministro nipónico, Shinzo Abe.

“Xi Jinping não confia nem um bocadinho em Kim Jong-un”, disse à revista New Yorker o analista político Wu Qiang, da universidade Tsinghua de Pequim. A aversão é mútua, prossegue a revista sublinhando que o actual Kim — que nos círculos do poder na China é tratado por “Kim III, o gordo” — recuperou a estratégia do avô Kim Il-sung (o primeiro da dinastia que governa o país desde a divisão da península coreana) de afirmar a sua independência em relação à China, recusando aceitar a condição de estado-satélite. Em cinco anos de poder, Kim Jong-un fez três testes nucleares, lançou mais mísseis do que em qualquer outra altura da história norte-coreana, e não escondeu que o seu objectivo é ter misseis balísticos inter-continentais.

O segundo Kim (pai do actual, que morreu em Dezembro de 2011), optou por tornar a obrigatória relação de proximidade (e de dependência) entre os dois países numa boa relação, sobretudo depois das crises na economia e da fome da década de 1990. Ia com frequência a Pequim — entre 2000 e 2011, esteve sete vezes em Pequim. O actual Kim nunca lá foi.

Os sinais de que a paciência está a acabar estão a surgir, Mas, pergunta o Financial Times, que significado têm de facto? São fruto de uma “irritação temporária”, uma “mudança de estratégia” ou “uma coisa totalmente diferente”?
Provavelmente, um bocadinho de cada. O estrangulamento da economia norte-coreana acarreta riscos que os chineses não querem correr. O desabar do regime norte-coreano (e a imprevisibilidade do que se passaria com o fim dos Kim) deixaria a China com uma crise de imigrantes, com um problema de segurança na sua fronteira e com a reunificação da península no horizonte, o que significaria um vizinho sob a influência dos Estados Unidos.

“A China tem dois objectivos: mostrar a Pyongyang a sua irritação pelo assassínio e estabilizar as relações com os EUA”, disse ao Financial Times a especialista em China Bonnie Glaser, do Centro de Estudos Estratégicos de Washington. Glaser defende que a China quer abrir a porta à discussão sobre a Coreia do Norte com os EUA. Ainda não tinha tomado posse e Trump já mandava recados para Pequim: só a China pode e tem que domar a Coreia do Norte. “Se não resolverem esse problema, iremos dificultar muito o comércio à China”, disse Trump.

Outros analistas concordam, arriscam dizer que Xi - a quem desagrada o programa nuclear do vizinho - quer ressuscitar as negociações sobre a desnuclearização da península coreana, paradas desde 2003 e que envolvem a própria Coreia do Norte, a China, os EUA, a Coreia do Sul, o Japão e a Rússia. “Se a China está a apertar a Coreia do Norte, só tem como objectivo oferecer um gesto de cooperação à Administração Trump em troca do regresso das negociações”, diz Stephan Hagard do Peterson Institut for International Economics.

A mudança de atitude do seu único aliado foi comentada pelo regime em Pyongyang. Como habitualmente, Kim não se pronunciou, o recado foi dado pela agência noticiosa estatal, que acusa um “país vizinho” que “frequentemente diz ser um amigo”. “Este país, que se arma em grande potência, está a dançar ao som da música americana”, dizia a agência, citada pela BBC. Numa referência directa à proibição das importações, dizia que a China “deu passos desumanos como por exemplo bloquear o comércio externo” o que vai “ajudar os inimigos” a derrubarem “o sistema social” da Coreia do Norte.

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