A importância da Líbia mede-se pelos corpos no Mediterrâneo

Só este ano, mais de duas mil pessoas morreram afogadas depois de terem saído da Líbia tendo a Europa como destino.

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Migrante depois de ser resgatado ao largo da costa da Líbia, em Abril Reuters/STEFANO RELLANDINI

Desde que, no ano passado, a União Europeia e a Turquia assinaram um acordo com o objectivo de impedir a passagem de refugiados para a Europa, que a Líbia se tornou na principal plataforma de entrada de migrantes. Bruxelas continua a ensaiar uma resposta para impedir que o Mar Mediterrâneo continue a servir de cemitério para milhares de pessoas todos os anos, mas sabe que qualquer solução de longo-prazo terá de passar pela estabilização da Líbia.

É a rota do Mediterrâneo Central que os milhares que fogem às guerras e à fome de países como a Eritreia, Síria, Afeganistão e Nigéria, mais utilizam para chegar à Europa. Desde o início do ano, mais de 93 mil pessoas fizeram a perigosa travessia entre a Líbia e a Itália – e pelo menos 2208 morreram pelo caminho, segundo dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM). No ano passado, esta rota bateu todos os recordes e foi utilizada por mais de 181 mil pessoas (morreram 4581).

O drama segue a um ritmo diário. Ainda esta terça-feira, foram encontrados 13 cadáveres, entre os quais os de várias mulheres grávidas, num barco de borracha ao largo da costa líbia. Só nos últimos dois dias foram resgatadas mais de 800 pessoas nesta zona, revelou a guarda costeira italiana.

Os salvamentos e as mortes diárias no Mediterrâneo também mostram que a UE ainda não conseguiu encontrar uma solução para a crise humanitária que se arrasta há anos às portas das suas fronteiras. Em 2014, a operação da guarda costeira italiana Mare Nostrum, responsável pelo resgate de centenas de milhares de migrantes, foi terminada pelo Governo de Roma, depois de não ter havido um entendimento para que outros Estados-membros pudessem partilhar os seus custos.

Bruxelas decidiu então pôr em marcha a operação Tritão, executada pela Frontex, a agência europeia de segurança fronteiriça. Ao contrário da antecessora, a natureza desta operação é sobretudo garantir a segurança das fronteiras europeias, e não proceder a resgates. No ano seguinte, foi lançado um novo esforço para conter a imigração irregular, através da operação Sophia (nome adoptado por causa de uma criança somali que nasceu a bordo de uma fragata que a tinha salvo).

O mandato desta missão é neutralizar os barcos utilizados por suspeitos líderes de redes de tráfico de pessoas, mas também inclui “impedir mais perdas de vida no mar”. Mas no início do mês, uma comissão parlamentar britânica emitiu um relatório que apontava para o “falhanço” da operação, responsabilizando-a mesmo pelo aumento da mortalidade no Mediterrâneo. “Uma consequência imprevista da destruição dos barcos dos traficantes foi a sua adaptação, passando a enviar os migrantes para o mar em embarcações inapropriadas, resultando em mais mortes”, concluem os deputados. Entre 2015 e 2016, o número de mortos subiu 42% no Mediterrâneo Central.

A estabilização da Líbia, através da instalação de “um Governo unificado”, é vista como uma condição essencial para combater as redes de tráfico, diz o mesmo relatório.

O salvamento de pessoas no Mediterrâneo passou, nos últimos tempos, a ser assumido por organizações não-governamentais, como os Médicos Sem Fronteiras, a Save The Children ou a Proactiva, que começaram a alugar barcos por conta própria. A UE, que vê nas acções destas organizações uma forma de “fomento” à imigração irregular, está a estudar a adopção de um “código de conduta”, elaborado pelo Governo italiano, para limitar a acção das ONG, impedindo-as, por exemplo, de entrar nas águas territoriais líbias. A Human Rights Watch diz que este documento irá pôr vidas em risco e pede alterações.

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