A guerra dos seis dias mudou Israel e o Médio Oriente

Uma das mais icónicas batalhas do século XX transformou o mapa do Médio Oriente. Marcou o fim do nacionalismo árabe e abriu a porta à ascensão do islamismo. Os vencedores, os israelitas seculares, acabaram também vencidos.

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Tanques israelitas na Penísula do Sinai MInistério da Defesa Israelita/REUTERS

Foi um ponto de viragem na História. Às 7h45 de 5 de Junho de 1967, a aviação israelita destruiu no solo a quase totalidade da Força Aérea egípcia. Este “ataque preventivo” decidiu a sorte da guerra. Os blindados israelitas entram no Sinai e desbaratam os egípcios. No dia 6, ocupam a Faixa de Gaza (egípcia), a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, após combates corpo a corpo com a Legião Árabe do rei Hussein. “O Templo está nas nossas mãos!”, telegrafou um coronel israelita.

No dia seguinte, os israelitas entram na margem oriental do canal do Suez, enquanto a Marinha toma o porto egípcio de Sharm el-Sheikh e põe fim ao bloqueio do golfo de Aqaba. Após combates de artilharia com os sírios, Israel ocupa os montes Golã, de onde os sírios bombardeavam a Galileia. A Jordânia aceita o cessar-fogo no dia 7, o Egipto no dia 8 e a Síria no dia 10. A guerra durou 132 horas.

A engrenagem

Foi, como a I Guerra Mundial, uma guerra que ninguém previa nem queria. Foi suscitada pelos erros de cálculo do Presidente egípcio, coronel Nasser, que propagandeava a intenção de destruir Israel como instrumento da sua liderança política do mundo árabe. Do outro lado, Israel levava a sério a retórica nasserista — eram três milhões de judeus rodeados por mais de 300 milhões de árabes.

A guerra de 1967 é um dos supremos exemplos dos erros de percepção entre adversários. Queria mesmo Nasser destruir Israel? O que importa, anota o historiador israelita Tom Segev, é que os israelitas se convenceram disso porque ele o dizia e parecia prestes a fazê-lo.

Desde fins de 1966 que a tensão era forte, sobretudo com a Síria, mas nada fazia prever a guerra. Foi uma engrenagem fatal. Os israelitas não queriam começar uma nova guerra ,pois não podiam perder o apoio internacional. E os generais opunham-se a uma guerra em três frentes: Egipto, Jordânia e Síria. A população, em pânico, acusa os dirigentes de não estarem à altura. Surge um movimento a pedir a nomeação do mítico Moshe Dayan para a Defesa.

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O Presidente do Egipto, Gamal Abdel Nasser, ameaçava destruir Israel DR

Nasser exibe um excesso de confiança. E não só ele: um general sírio prevê uma vitória árabe “em menos de quatro dias”. Em Maio, incendiando a “rua árabe”, Nasser impõe a retirada dos capacetes azuis da ONU estacionados no Sinai desde 1956 e faz manobras militares no deserto. Reocupa militarmente Gaza e o porto de Sharm El-Sheik, bloqueando o golfo de Aqaba, no Mar Vermelho, vital para o comércio israelita. Israel avisou que seria um casus belli.

No dia 1 de Junho, o primeiro-ministro Levy Eshkol forma um governo de “união nacional”, com Dayan e o líder da extrema-direita, Menahem Begin. Os generais exigem um “ataque preventivo”, a chave da sua estratégia. Yitzhak Rabin, chefe do Estado-maior, quer atacar mas previne que poderá haver milhares de mortos. Eshkol teme “um massacre”. Dayan avisa-o de que há “um limite para a capacidade de vencer os árabes”.

Nova era messiânica

A fulminante vitória foi uma surpresa, que muito deve à incompetência dos exércitos árabes. Nasce o mito da invencibilidade israelita — que será posto em causa na Guerra do Yom Kippur, em 1973. Da diáspora, partem novas vagas de imigrantes. O mundo aplaude o triunfo do “David israelita” contra o “Golias árabe”. Sol de pouca dura. Depressa Israel perde a vantagem da vítima para passar a ser visto como ocupante e opressor.

Depois do alívio, Israel é tomado por uma euforia messiânica. Os rabis podem rezar nos seus “lugares santos”, no Muro das Lamentações ou na Caverna dos Patriarcas em Hebron. No dia 28, o Knesset vota a anexação de Jerusalém Oriental. Os israelitas hesitam entre falar em “conquista” (reversível) ou em “libertação” (de vocação definitiva).

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Soldados israelitas junto ao Muro das Lamentações, em Jerusalém Ministério da Defesa Israelita/REUTERS

Os dirigentes israelitas não têm nenhum plano sobre a terra, sobre os novos refugiados ou sobre os palestinianos, que vêem como simples árabes. Em Jerusalém, Dayan impede os rabis de subirem ao Monte do Templo e, em Hebron, tenta travá-los: “Isto é uma mesquita há 1300 anos. Os judeus devem contentar-se em a visitar e orar perante os túmulos.” O rabi militar recusa-se a obedecer: “Isto não é terra árabe, é uma herança divina.” Dias depois, Dayan dirá: “Voltámos aqui para a eternidade.” Esta troca de palavras condensa o dilema dos 50 anos seguintes. Até hoje.

O mapa do Médio Oriente foi subvertido. Não será rigoroso falar da guerra como causa de todas as mudanças. Foi antes uma fronteira entre duas eras, pondo em marcha novos mecanismos.

O nacionalismo árabe vai dar lugar à ascensão do fundamentalismo religioso e do jihadismo. A mesquita vai impor-se ao Estado. Os palestinianos vão ganhar uma identidade nacional e emergir na cena internacional. Os israelitas vão habituar-se ao terrorismo. Israel passa da aliança europeia para a aliança americana. A antiga direita nacionalista de Begin, organizada no Likud, acaba por substituir a hegemonia trabalhista. Enfim, Israel muda de natureza: a guerra foi ganha pelos sionistas seculares e vai desembocar na sua derrota política.

Sabemos o que se seguiu: a Guerra do Yom Kippur, a paz com o Egipto e a Jordânia, os Acordos de Oslo e o regresso de Arafat, o assassínio de Rabin, a expansão dos colonatos e a falência de todas as negociações.

“Judeus contra israelitas”

Tudo para chegarmos a algo que era inimaginável em 1967. “Israel — ou pelo menos a versão secular e progressista de Israel que tinha cativado a imaginação do mundo — pertence ao passado”, escreve Aluf Benn, director do diário israelita Haaretz.

Israel foi criado por uma elite laica que visava formar “um novo judeu”, o israelita. O ano de 1967 marca uma inflexão: “Com a redescoberta dos lugares santos esboça-se um regresso à tradição”, observa Segev. O sionismo laico é desafiado por um sionismo religioso e messiânico.

Para parte dos israelitas, os territórios ocupados deveriam ser a moeda de troca para uma paz com os palestinianos. Para outros, eram um “tesouro” a ser colonizado a qualquer preço. Até hoje, prevaleceram estes. Israel ficou refém de uma minoria, “o lobby dos colonatos”, escreve o colunista Nahum Barnea.

O sionismo foi um movimento nacional laico e democrático. Theodor Herzl, o fundador do sionismo, garantiu que o “Estado dos Judeus” não seria religioso: “Não permitiremos a emergência das veleidades teocráticas dos nossos chefes religiosos.”

Hoje, os extremistas messiânicos falam na luta “dos judeus contra os israelitas”. Eles põem a tradição religiosa e o “Grande Israel” acima da lei e da democracia. Querem “o renascimento do reino histórico de Israel”. O ultranacionalista Naftali Bennet, hoje ministro da Educação, não hesita em afirmar: “O sionismo laico esgotou o seu papel histórico. (...) Aproxima-se o dia em que seremos nós a dirigir o país.”

São uma minoria mas os mais enérgicos e convictos. A colonização joga a seu favor mas é também a sua danação. Há 600 mil colonos em Jerusalém e na Cisjordânia, muitos deles já lá nascidos. Mas dentro de poucos anos, os árabes israelitas e da Cisjordânia devem ultrapassar a população judaica. Se não houver dois Estados, haverá um. Avisa o escritor Amos Oz: “A alternativa é entre uma ditadura de judeus ou um único país em mãos árabes, que mataria o sonho sionista.” Mas a História não acabou. “Sou demasiado velho para saber que não há coisas irreversíveis.”

O historiador Michael Oren tira a lição da Guerra dos Seis Dias: “Israel, paradoxalmente, foi vítima e vencedor. (...) Com a colonização começou a erosão do carácter democrático e judaico do Estado de Israel. A grande vitória que conquistámos em legítima autodefesa tornou-se num garrote em volta do pescoço de Israel.”

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